RELAÇÕES CREDITÍCIAS & LITIGIOS DELAS EMERGENTES NO ORDENAMENTO PORTUGUÊS

RELAÇÕES CREDITÍCIAS & LITIGIOS DELAS EMERGENTES

NO ORDENAMENTO PORTUGUÊS



TÍTULO I

AS INSTITUIÇÕES AO SERVIÇO GRACIOSO 

DOS CONSUMIDORES ENDIVIDADOS

I

A Rede de Apoio ao Consumidor Endividado

II

O Mediador do Crédito (Credit Ombud)

III

Sistema Público de Apoio à Conciliação no Sobre-endividamento


TÍTULO II

A RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOS

I

A Desjudicialização dos Conflitos de Consumo

II

Rede de Arbitragem de Consumo: conceito e estrutura

III

A Arbitragem nos Conflitos Emergentes de Relações Creditícias



RESENHA

Das sucessivas crises que se abateram, em épocas recentes ou ainda em curso, sobre os povos, sérias consequências advieram.

As situações de mora e incumprimento dos créditos pessoais lato sensu e dos créditos hipotecários dispararam exponencialmente ante as dificuldades financeiras experimentadas.

Daí que se houvesse entrevisto a hipótese de criar, em distintos momentos, institutos cujo escopo seria o de obviar às lastimosas consequências de patrimónios afectados e de situações de excessivo endividamento rumo à insolvência pessoal e à das famílias.

Da Rede de Apoio ao Consumidor Endividado, que a lume veio, no lote de medidas que culminaram com a adopção, no quadro legal, do Plano de Acção do Risco de Incumprimento e do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, em 2012, em plena crise de 2007/2008, ao Mediador do Crédito, uma sorte de Ombud, conquanto restrito aos litígios que  por objecto hajam as relações creditícias controversas ou em dificuldades, que, de forma avulsa, surge em 2009, ao recente Sistema Público de Apoio à Conciliação no Sobre-endividamento, regulamentado em época mais próxima da que se vive, em 2021, relevo se confere à desjudicialização dos conflitos no domínio de tais relações creditícias por mor das exigências de Bruxelas, vale dizer, das instâncias legiferantes da União Europeia, com a outorga aos centros de arbitragem de conflitos de consumo dos pleitos [em que se envolvam consumidores e entidades financeiras] de responsabilidades tendentes a dirimir os litígios daí emergentes, através da mediação, conciliação e arbitragem, se for o caso.

Eis o que se versa no artigo.

Não se pode falar, em rigor, de um sistema, mas de entidades criadas ao sabor das circunstâncias que nem sequer agem em consonância e de modo coordenado, algo a que conviria fosse posto termo, numa congruência, a todos os títulos, de explorar.

É deste conjunto de entidades, de institutos, de modelos que o autor se ocupa nas linhas subsequentes, traçando o seu perfil, missão e procedimentos.



ABSTRACT

From the successive crises that befell, in recent times or still in progress, on the peoples, serious consequences have arisen.

The situations of arrears and default of personal loans lato sensu and mortgage loans soared exponentially.

Hence, the possibility of creating, at different times, institutes whose scope would be to obviate the regretful consequences of affected assets and situations of excessive indebtedness leading to personal and family insolvency had been envisaged.

From the Support Network for Indebted Consumers, which came to light, in the batch of measures that culminated in the adoption, within the legal framework, of the Action Plan for the Risk of Default and the Extrajudicial Procedure for Settlement of Default Situations, in 2012, in crisis of 2007/2008, to the Credit Mediator, a sort of Ombuds, although restricted to disputes that have controversial or difficult credit relationships as their object, which, in an isolated form, appears in 2009, to the recent Public System of Support to Conciliation in Over-indebtedness, regulated at a time closer to the one we are experiencing, in 2021, emphasis is given to the de-judicialization of conflicts in the field of credit relations due to the demands of Brussels, that is, of the legislative bodies of the European Union, with the grants to the dispute arbitration centers of consumer disputes [in which consumers and financial entities are involved] responsibilities aimed at settling disputes arising therefrom s, through mediation, conciliation and arbitration, as the case may be.

Here's what the article says.

Strictly speaking, one cannot speak of a system, but of entities created at the mercy of circumstances that do not even act in consonance and in a coordinated way, something that would be appropriate to put an end, in a congruence, in all respects, to explore.

It is from this set of entities and institutes that the author deals in the following lines, tracing its profile, mission and proceedings.



Palavras-chave:

Contrato de crédito ao consumidor – contrato de crédito hipotecário – mora – incumprimento do contrato de crédito – Rede de Apoio ao Consumidor Endividado – PARI (Plano de Acção de Resolução do Incumprimento) - PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – SISPACSE (Sistema Público de Apoio à Conciliação no Sobre-Endividamento) – Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo – Mediação – Conciliação – Tribunais Arbitrais de Conflitos de Consumo.








TÍTULO I

AS INSTITUIÇÕES AO SERVIÇO GRACIOSO 

DOS CONSUMIDORES ENDIVIDADOS

I

REDE DE APOIO AO CONSUMIDOR ENDIVIDADO

  1. Missão

A Rede de Apoio ao Consumidor Endividado, criada pelo DL 227/2012, de 25 de Outubro, na sequência da crise de 2008, visava desenvolver uma estratégia que se esvanecera durante a fase mais crítica da situação decorrente da denominada bolha imobiliária (subprime) que atravessou continentes.

Tanto aos clientes bancários em risco de incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos como aos mais de crédito ou que estivessem em mora relativamente ao cumprimento de tais obrigações conferia-se-lhes o  o direito a obter, de forma gratuita, informação, aconselhamento e acompanhamento por parte das entidades reconhecidas para o efeito, no âmbito da rede extrajudicial de apoio a clientes bancários, para tanto instituída.

As instituições de crédito obrigar-se-iam a prestar informação aos clientes bancários sobre as entidades que na Rede de Apoio ao Consumidor Endividado se perfilam, designadamente quanto às suas atribuições e elementos de contacto, nos termos que, mediante aviso reportado a 2012 e, ora, com outros contornos (2021), o Banco de Portugal definira:

 “1 - … as instituições de crédito estão obrigadas a disponibilizar, designadamente em sede pré-contratual, aos clientes bancários e aos demais interessados informação sobre os riscos do endividamento excessivo e as consequências do incumprimento de contratos de crédito, bem como sobre os procedimentos [previstos]  para a regularização das situações de incumprimento em resultado da aplicação das regras [constantes da lei].

2 - Para [tais efeitos], o Banco de Portugal define, mediante aviso, a informação que as instituições de crédito devem prestar aos clientes bancários e aos demais interessados sobre os riscos de endividamento excessivo, as consequências do incumprimento de contratos de crédito e os procedimentos [previstos] para a regularização das situações de incumprimento, bem como a forma adequada para a prestação dessa informação.” (1)

Os institutos criados nessa emergência mantêm-se actuais e actuantes, em plena vigência, de par com os mais, prévia ou ulteriormente criados como análogo escopo.

  1. A Estrutura da Rede 

Integram a Rede Extrajudicial de Apoio a Clientes Bancários os centros de informação e arbitragem de conflitos de consumo autorizados a prosseguir actividades de informação, mediação, conciliação e arbitragem. (2)

Precedendo reconhecimento da DGC – Direcção-Geral do Consumidor, após parecer prévio do Banco de Portugal, podem ainda integrar a Rede Extrajudicial pessoas colectivas (jurídicas), de direito público ou privado, que, preencham as condições da lei decorrentes.

A Rede Extrajudicial é coordenada pela DGC, podendo ser estabelecidos mecanismos de cooperação com o Banco de Portugal em decorrência de convénios para o efeito desenhados.

2.1. Condições gerais a que devam obedecer as entidades que integram a Rede Extrajudicial

À data do pedido de reconhecimento, as entidades que a tal se candidatem têm de cumprir, cumulativamente, as seguintes condições:

  • Encontrar-se legalmente constituídas;


  • Possuir a situação regularizada face à administração fiscal e à segurança social;


  • Integrar um responsável pela coordenação do serviço a prestar.

2.2. Perfil dos colaboradores 

Quem colabore com as entidades que à Rede se candidatem e que prestem apoio a consumidores no âmbito da prevenção do incumprimento e da regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito deve preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:

  • Ser pessoas de reconhecida idoneidade para o desempenho das funções em causa;

  • Possuir a escolaridade obrigatória;

  • Possuir adequados conhecimentos técnicos em matéria financeira, económica e bancária.

Considera-se indiciador de falta de idoneidade, o facto de a pessoa em causa se achar incursa em qualquer  das hipóteses  previstas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que remonta a 1998 com sucessivas actualizações,  no que tange ao perfil para o exercício de funções em qualquer órgão de administração e fiscalização de tais instituições, regime aplicável na circunstância.


  1.  Funções a que se adscrevem as entidades que integrem a Rede

As entidades que integram a rede extrajudicial de apoio a clientes bancários têm como função informar, aconselhar e acompanhar o consumidor que se encontre em risco de inadimplemento do contrato de crédito celebrado com uma instituição de crédito ou que, em virtude da mora no cumprimento das emergentes obrigações, se encontre em processo de negociação com  a instituição de que se trata.

Em concreto, inserem-se no âmbito de actuação das entidades que integram a rede extrajudicial de apoio a clientes bancários as seguintes atribuições:

  • Informar o consumidor sobre os seus direitos e deveres em caso de risco de incumprimento do contrato de crédito e no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento;


  • Apoiar a análise, por parte do cliente bancário, das propostas apresentadas pelas instituições de crédito no âmbito do PARI (3) e do PERSI (4), nomeadamente quanto à adequação de tais propostas à situação financeira, objectivos e necessidades do cliente bancário;


  • Acompanhar o cliente bancário aquando da negociação entre este e as instituições de crédito das propostas apresentadas no âmbito do PARI e do PERSI;


  • Prestar outras informações em matéria de endividamento e de sobre-endividamento;


  • Apoiar o cliente bancário na avaliação da sua capacidade de endividamento, à luz dos elementos para o efeito apresentados.

As entidades que integram a Rede podem ainda prestar apoio ao cliente bancário no âmbito de outras medidas aplicáveis a situações de incumprimento, previstas em legislação especial.

As entidades que integram a rede extrajudicial de apoio a clientes bancários podem também informar e prestar formação financeira aos consumidores, com o objectivo de contribuir para a melhoria dos seus conhecimentos financeiros, intervindo no Plano de Formação Financeira que o Banco Central tem em execução.

A tais entidades é  vedada:

  • A actuação junto de instituições de crédito, em representação ou por conta dos clientes bancários, nomeadamente aquando da negociação das propostas apresentadas no âmbito do PARI e do PERSI; e


  • A adopção de mecanismos de conciliação, mediação ou arbitragem no âmbito do PARI e do PERSI.

O que antecede imediatamente  não obsta ao desenvolvimento, pelos centros de informação, mediação e arbitragem de conflitos de consumo, das actividades que se materializam pela informação ao consumidor e a análise das propostas que se lhes submetam, de harmonia com o que noutro passo se expendeu.

Sempre que as instituições de crédito iniciem o PERSI com o fiador do contrato de crédito, este poderá recorrer à rede extrajudicial de apoio a clientes bancários.

A intervenção de tais  entidades cessa logo que haja conhecimento da instauração de acção judicial cujo objecto seja o contrato de crédito a que se reporta o apoio prestado.

O consumidor, para tal efeito, informa a instituição de crédito com a qual haja celebrado um contrato de crédito que recorreu a uma entidade da rede extrajudicial de apoio a clientes bancários.

Sempre que seja instaurada uma acção judicial que por objecto tenha o contrato de crédito, o consumidor comunica tal facto à entidade a que recorreu no âmbito da rede extrajudicial de apoio a clientes bancários.

  1.  Regime e procedimento

O regime e o procedimento aplicáveis ao reconhecimento das entidades que integram a rede extrajudicial de apoio a clientes bancários regem-se por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da defesa do consumidor.

  1.  Formação

Compete à DGC-Direcção-Geral do Consumidor e ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições, dinamizar acções de formação em matéria financeira, económica e bancária destinadas às entidades que integram a rede extrajudicial de apoio a clientes bancários.

As entidades que integram a rede extrajudicial de apoio a clientes bancários podem também informar e prestar formação financeira aos consumidores, com o objectivo de contribuir para a melhoria dos seus conhecimentos financeiros.

  1. Princípios rectores

  • As entidades que integram a rede extrajudicial de apoio a clientes bancários devem assegurar, ao longo de todo o procedimento, o respeito pelos princípios da 


  • independência, 


  • imparcialidade, 


  • legalidade


  • transparência.

O procedimento de apoio a clientes bancários deve ser célere e obedecer a critérios de 

  • elevado rigor técnico.

O procedimento de informação, aconselhamento e acompanhamento a clientes bancários goza de 

  • confidencialidade, 

ficando sujeitas a segredo profissional todas as pessoas que nele intervenham no que tange a factos cujo conhecimento advenha do exercício de tais funções.

 O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou da prestação de serviços.

O acesso à rede extrajudicial de apoio a clientes bancários é 

  • gratuito, 

ou seja, isento de encargos para os interessados.


II

MEDIADOR DO CRÉDITO 

(OMBUDSPERSON)

  1. Missão

  2. Competências

  3. Processo de mediação


O Mediador do Crédito (Credit Ombud), figura institucional criada em plena crise financeira (2009), em Portugal,  detém, como missão, desenvolver actividade tendente à promoção e salvaguarda dos direitos, garantias e interesses legítimos de consumidores e demais  entidades envolvidas em relações creditícias.

Dentre tais actividades, figuram, designadamente, as que se prendem com o crédito à habitação (5) como com o crédito pessoal (6) com vista a contribuir para melhorar o acesso ao crédito no quadro do sistema financeiro.

Ao Mediador do Crédito cumpre ainda assumir uma quota-parte importante de responsabilidades no domínio da promoção da literacia financeira (7)  em matéria de crédito, devendo para o efeito fomentar o conhecimento dos direitos e deveres dos cidadãos neste domínio, prestar os esclarecimentos e informações que se lhe requeiram e cooperar com o Banco de Portugal em domínios como os que se imbricam na sua esfera de actuação. Mormente no sentido de contribuir para o cumprimento das regras legais e contratuais em matéria de concessão de crédito e da adopção de elevados padrões de responsabilidade e de princípios éticos e deontológicos  neste domínio.

O Mediador do Crédito exerce, ainda, com imparcialidade e independência, um importante papel de mediação, contribuindo para a tutela dos direitos de quaisquer pessoas ou entidades em relações de crédito, e emitir as recomendações que considere adequadas sobre a matéria.

O Mediador do Crédito funcionará no “espaço de missão” do Banco Central, desfrutando de imparcialidade e independência no exercício das suas funções: para tanto, será coadjuvado por um conselho que coordenará. 

Cabe ao Banco de Portugal prestar toda a assistência técnica, administrativa e financeira necessárias ao desempenho das funções do Mediador do Crédito.

Cabe ainda ao Banco Central facultar as informações indispensáveis ao eficiente desempenho de tais funções pela entidade nelas investida.

O Banco de Portugal é, por conseguinte, responsável por assegurar, a título permanente, o suporte técnico, administrativo e financeiro necessário ao exercício de funções do Mediador do Crédito e do Conselho que a ele se adscreve, arcando em exclusivo com os encargos globais decorrentes de um tal exercício.

O Mediador do Crédito é nomeado por resolução do Conselho de Ministros, de entre pessoas cujas reconhecidas idoneidade, disponibilidade e qualificação profissional confiram garantias de uma actuação habilitada e prudente no exercício das  funções que se lhe cometem.

  1. Estatuto

O exercício do cargo de mediador do crédito não confere ao seu titular quaisquer direitos como funcionário ou agente da Administração Pública.

O Mediador do Crédito não pode acumular o exercício do cargo com o desempenho de funções executivas em qualquer outra entidade ou com o exercício de quaisquer outras funções que envolvam necessariamente o risco de conflito de interesses.

A remuneração do mediador do crédito é fixada por despacho do membro do Governo com tutela da pasta das Finanças, ouvido o Banco de Portugal.

O Mediador de Crédito goza das prerrogativas de independência e imparcialidade.

O Mediador do Crédito, como se assinalou, detém uma quota-parte relevante na condução das actividades de pedagógicas da Literacia Financeira, que, a despeito das proclamações de princípio, permanece na penumbra (8).


2. Competências

Incumbe ao Mediador do Crédito:

  • Contribuir globalmente para a promoção dos direitos, garantias e interesses legítimos legalmente protegidos de quaisquer pessoas ou entidades que sejam parte em relações de crédito;


  • Difundir e fomentar o conhecimento das normas legais e regulamentares aplicáveis aos contratos de crédito, contribuindo para o desenvolvimento da literacia financeira nesta área;


  • Colaborar com o Banco de Portugal no sentido de contribuir para o cumprimento das normas legais e contratuais em matéria de concessão de crédito;


  • Coordenar a actividade de mediação entre consumidores e demais clientes bancários e instituições de crédito exercida com a finalidade de contribuir para melhorar o acesso ao crédito perante o sistema financeiro;


  • Emitir pareceres ou dirigir recomendações sobre quaisquer matérias que com a sua actividade se prendam indissoluvelmente;


  • Assinalar as deficiências de legislação que verificar, emitindo recomendações para a sua alteração ou revogação, ou sugestões para a elaboração de uma nova legislação, as quais são apresentadas ao membro do Governo responsável pela área das finanças;


  • Acompanhar globalmente a actividade de crédito.


O Mediador do Crédito, no exercício das suas funções,  pode celebrar, mediante protocolo, convénios de colaboração com entidades, públicas ou privadas, de natureza associativa ou mercantil, que prossigam fins análogos ao da missão que se lhe comete.

2.1. Conselho de Mediação do Crédito

No exercício das suas competências que a lei lhe confere, o Mediador do Crédito é coadjuvado por um Conselho, que, actuando sob sua directa e efectiva coordenação, é responsável por assegurar a condução da actividade corrente, nomeadamente a prestação dos esclarecimentos e informações solicitados por quaisquer pessoas ou entidades e a implementação dos procedimentos de mediação que na função se imbricam.

Compõem o Conselho qualificados membros, em número não superior a três, nomeados por despacho do Ministro das Finanças, precedendo audição do Banco de Portugal.

A nomeação recairá em pessoas cujas idoneidade, disponibilidade e qualificação profissional dêem garantias de uma actuação habilitada e prudente no exercício das inerentes funções.

Ao Mediador do Crédito se confere o poder de delegar nos membros do Conselho quaisquer responsabilidades específicas compreendidas no âmbito das suas competências. 

Aos membros do Conselho cabe ainda assegurar a regular condução das actividades de Mediação em caso de impedimento temporário do titular.

Ao Conselho, salvaguardados os poderes específicos do Mediador, cabe definir as regras aplicáveis à organização interna e ao funcionamento de uma tal estrutura.

2.2. Recomendações

As recomendações que entenda emitir, no quadro das suas competências, visam corrigir procedimentos ou actos, bem como sanar situações irregulares que detecte ou sejam denunciadas.

O destinatário da recomendação deve, no lapso de 60 dias improrrogáveis a contar da sua recepção, comunicar ao Mediador do Crédito a posição que antes os seus termos entenda assumir.

O não acatamento da recomendação será fundamentado.

Incumbe ao Mediador do Crédito dar do facto parte  ao Banco de Portugal.

O Banco de Portugal considerá-lo-á na programação e exercício da actividade de supervisão a que se adscreve.

2.3. Dever de sigilo

O Mediador do Crédito e os membros do Conselho obrigados se acham, por dever de ofício, a guardar sigilo dos factos de que tomem conhecimento no exercício das suas funções.

Critério aferidor para o efeito é o da natureza dos factos que cheguem à esfera de conhecimento de todos e cada um.

2.4. Dever de cooperação

As instituições de crédito, bem como quaisquer entidades públicas que actuem no domínio da esfera de atribuições do Mediador do Crédito, obrigam-se a  prestar todos os esclarecimentos e informações que o Mediador entenda solicitar.

O Mediador do Crédito pode fixar, por escrito, prazo não inferior a cinco dias úteis para a satisfação do pedido que formule com nota de urgência.


2.5. Dever de informação

O Mediador do Crédito prestará ao Ministro das Finanças, por iniciativa própria ou a instâncias de uma tal entidade, informação relevante que caiba no âmbito das  funções que se lhe outorgam.

Ao Mediador do Crédito cumpre elaborar um relatório anual sobre a actividade desenvolvida, com identificação dos processos iniciados, das diligências efectuadas e dos resultados obtidos.

 O relatório deve ser submetido à apreciação do Ministro até 31 de Março do ano subsequente ao do exercício.

Após a competente aprovação, o relatório será divulgado, no lapso de 30 dias, no Portal Electrónico do Banco de Portugal.

  1. Processo de mediação


Os processos de mediação podem ter por objecto:

  • Obtenção de crédito;

  • Renegociação de créditos;

  • Consolidação de créditos;

  • Outras situações emergentes das relações creditícias.

Sempre que estale um conflito ou se suscite um qualquer diferendo entre um cliente bancário e uma instituição de crédito ou sociedade financeira, o consumidor lesado poder-se-á apresentar perante o Mediador do Crédito de molde a solicitar os bons ofícios em ordem à sua intervenção no dissídio.

O passo primeiro para o efeito é o da apresentação do pedido de mediação com a identificação do impetrante e a descrição da factualidade subjacente e da pretensão: seus fundamentos e entidade (s) visada (s).

Subsequentemente, no lapso improrrogável de cinco dias úteis após a data de recepção do pedido de mediação, o Mediador do Crédito, após análise preliminar tendente a avaliar da admissibilidade do pedido, comunica ao requerente a decisão de aceitação ou do seu indeferimento liminar;

  • Em caso de aceitação do pedido de mediação, o processo é enviado, de imediato, às instituições de crédito junto das quais o requerente solicitou originariamente o financiamento;


  • As instituições de crédito em causa procedem à reanálise do pedido de financiamento e, no prazo máximo de cinco dias úteis contados da data de recepção do processo, transmitem ao Mediador a sua decisão de confirmação ou revisão da decisão anterior;


  • O Mediador do crédito contacta, de imediato, o requerente para o informar da evolução do processo, caso em que:


  • O processo de mediação termina, se a instituição de crédito aceitar rever a sua decisão e o requerente manifestar a sua concordância em relação às condições do financiamento;


  • O processo de mediação prossegue, caso contrário, concluindo-se quando o Mediador verifique fundadamente a impossibilidade da celebração de um acordo entre a instituição de crédito e o requerente, podendo resultar na emissão de uma recomendação.


  • São indeferidos liminarmente os pedidos manifestamente apresentados de má-fé ou desprovidos de fundamento.


  • O mediador do crédito define o modo de instrução do processo de mediação, podendo solicitar, a qualquer momento, informações complementares que se afigurem necessárias à avaliação dos seus termos.


  1.  Do processo e seu arquivamento

É determinado o arquivamento dos pedidos de mediação:

  • Quando não sejam da competência do Mediador do crédito;


  • Quando o Mediador do crédito conclua que o pedido não tem fundamento ou que não existem elementos bastantes para ser adoptado um qualquer procedimento;


  • Quando o fundamento na origem do pedido se tenha extinguido.


  1. Apreciação final

Conquanto a figura do Mediador de Crédito haja sido instituída em 2009 (Decreto-Lei 144/2009, de 17 de Junho) crê-se que a ausência de divulgação dos serviços a seu cargos, ao longo dos 13 anos que o instituto leva já de vigência, entre nós, contribui enormemente para a generalizada ignorância acerca de si mesma, da sua missão e prestabilidade.

Aliás, é algo que ocorre com inusitada frequência entre nós: em que falece um qualquer programa que tenda a tornar conhecidas as instituições e seus objectivos, o que as menoriza deveras e concorre para que a eficácia e eficiência que nelas se apostava fiquem aquém das expectativas originais em manifesto desfavor aos hipervulneráveis e hipossuficientes. Em suma, a quantos careceriam de recorrer a tais instituições em benefício próprio.

O facto é que ninguém ouve, de há muito, falar do Mediador do Crédito e do papel que se lhe assina e dos préstimos que poderiam servir deveras a quantos da sua avisada actuação carecem.

Mas outro tanto sucede, entre nós, com os centros de arbitragem de conflitos de consumo, com a Rede de Apoio ao Consumidor Endividado e ao Sistema de Público de Apoio ao Consumidor Sobre-endividado.

O que representa algo de meramente formal e sem efectivo préstimo dispensado à generalidade dos consumidores que de tais serviços instantemente carecem.


III

O SISTEMA PÚBLICO DE APOIO À CONCILIAÇÃO 

NO SOBRE-ENDIVIDAMENTO


  1. Missão

De par com o Sistema Privatístico de Resolução Extrajudicial de Conflitos de Consumo com as notas de publicidade que as leis inequivocamente lhe emprestam, surge agora um Sistema Público de Apoio à Conciliação, como procedimento adequado à resolução de diferendos que se suscitem no quadro das relações creditícias entre instituições de crédito, sociedades financeiras e consumidores.

A situação de crise de saúde pública que sobre as sete partidas do Mundo se abateu, como se alude no preâmbulo de um diploma legal que a lume veio em 2020 e institui o Sistema Público de Apoio à Conciliação no Sobre-endividamento, “constitui um desafio sem precedentes com consequências sócio-económicas particularmente severas”. 

“A estratégia de redução da mobilidade e de afastamento social exigida pelo combate à emergência de saúde pública provocou uma retracção súbita, de largo espectro, da actividade económica, com a consequente redução do rendimento das famílias, seriamente comprometedora da sua solvabilidade e da capacidade de cumprimento das obrigações assumidas.”

Daí que se impusesse à ordem jurídica facultasse ao devedor, pessoa singular, e aos seus credores um sistema susceptível de promover a justa composição de litígios emergentes da mora e do não cumprimento das obrigações pecuniárias. E isto com base na negociação de soluções mediante a intervenção de um conciliador e de molde a lograr-se um juízo ex aequo et bono.

O Sistema Público, criado em 2020 [Decreto-Lei n.º 105/2020, de 23 de Dezembro] e  regulamentado no ano subsequente [Portaria n.º 86/2021, de 16 de Abril], caracteriza-se pela voluntariedade, graciosidade, imparcialidade, celeridade e acesso em termos de modicidade [a baixos custos para os impetrantes]: como único acto injuntivo emerge a obrigação de participação em sessão informativa que dilucide os partícipes acerca dos objectivos a alcançar, das técnicas a utilizar e da eficácia jurídica dos acordos que se vierem a concluir.

Tendo em vista estimular a mais rápida composição do litígio e o reequilíbrio financeiro do devedor, a intervenção do Sistema Público de Apoio à Conciliação acha-se limitada a momento prévio à utilização de outros meios de tutela do crédito, como sejam o recurso ao processo especial de revitalização, ao processo especial para acordo de pagamento ou ao processo de insolvência, regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

O Sistema Público constrói-se como instrumento complementar, mas não substitutivo, do Plano de Acção para o Risco de Incumprimento e do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previstos em Lei de 25 de Outubro de 2012: desenhados para dar resposta específica a situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, veda-se o recurso ao Sistema Público no que tange às situações creditícias por tal  abrangidas.

O Sistema Público funciona através de uma plataforma electrónica com base em listas de conciliadores inscritos por circunscrição territorial, publicitadas no sítio electrónico da Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) do Ministério da Justiça.

Incumbe à DGPJ, no âmbito da gestão do Sistema, designadamente:

  • O registo e a triagem dos pedidos;


  • A designação do conciliador responsável por cada caso, a qual deve ser efectuada, dentro de cada lista, com igualdade e aleatoriedade;


  • Emitir declaração atestando a participação do credor em sessão informativa do Sistema, ou a falta dela, em termos de consequências em regra de custas judiciais.

Trata-se de um sistema expedito, célere, mas convenientemente fundado, assente na conciliação ex aequo et bono que não na mediação.



  1. A figura nuclear: o conciliador

A Lei de 23 de Dezembro de 2020  institui o Sistema Público de Apoio à Conciliação no Sobre-Endividamento e estabelece as regras orgânicas e de funcionamento de um tal Serviço.

E cria ainda a figura do conciliador e bem assim o regime de acesso e de exercício da função de quem se vote à magna tarefa da conciliação.

O SISPACSE é um sistema público de resolução alternativa de litígios, de adesão voluntária cujo fito é o de facultar ao devedor e aos respectivos credores um momento negocial tendente à consecução de uma solução de equidade no litígio que os opõe.

A gestão do Sistema incumbe ao Ministério da Justiça, através da Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ). 

À entidade gestora cabe organizar listas públicas de conciliadores de acordo com os critérios e requisitos definidos em regulamento adrede publicado.

Os agentes ao serviço da entidade gestora acham-se vinculados ao dever de confidencialidade emergente da informação de que tomem conhecimento mercê do exercício das suas funções.

  1. Condição e estatuto: quem pode intervir como conciliador no Sistema Público

O normativo de que se trata confere um tal estatuto a:

  • Mediadores dos sistemas públicos de mediação geridos pelo Ministério da Justiça (DGPJ);


  • Mediadores inscritos nas listas de mediadores dos Julgados de Paz;


  • Mediadores inscritos na lista de mediadores organizada pelo Ministério da Justiça; 


  • Os advogados;


  • Os solicitadores;


  •  Entidades reconhecidas no quadro do apoio a prestar aos consumidores em situações de sobre-endividamento (Rede Extrajudicial de Apoio ao Consumidor Endividado).


  1. Exclusão das listas de conciliadores

Precedendo queixa ou reclamação que lhe seja dirigida e auscultados todos os envolvidos no procedimento de conciliação, o Ministério da Justiça (DGPJ) pode, a todo tempo, excluir, das listas que integre, o conciliador que exerça funções no Sistema, sempre que conclua pela violação dos princípios de actuação a que se acha vinculado. 

O não cumprimento pelo conciliador das obrigações de reporte estatístico que sobre si impendem pode igualmente levar à sua exclusão das listas.

A frequência do curso de formação pelos conciliadores, que a portaria regulamentar prevê se realize, é conditio sine qua para figurar nas listas respectivas.

  1. Requisitos para a candidatura a conciliador

Quem pretenda candidatar-se a conciliador deve manifestar disponibilidade perante o Ministério da Justiça (DGPJ), mediante requerimento por recurso ao formulário no site respectivo  de onde conste:

  • A identificação civil, a identificação fiscal e contactos;


  •  Número de cédula profissional, em se tratando de advogados ou solicitadores;


  • Declaração de não impedimento, de acordo com as disposições vigentes;


  • Disponibilidade geográfica para o procedimento, para eventuais sessões presenciais;


  • Declaração de disponibilidade e capacidade para o desenvolvimento de conciliação por meios telemáticos;


  • Autorização da divulgação do  nome, contactos e área geográfica de intervenção patenteada através de lista pública que a DGPJ divulgará.

O conciliador não pode intervir, sob pena de nulidade, no procedimento caso se encontre em alguma das situações de impedimento previstas no Código do Procedimento Administrativo (nota 1), como a lei, aliás, o estabelece.

A aceitação como conciliador do Sistema Público é comunicada ao requerente pelo Ministério da Justiça (DGPJ): a tal entidade cabe a fiscalização do cumprimento dos correspondentes deveres, sem prejuízo das competências cometidas a outras que nisso devam ter intervenção.

A participação do conciliador nas actividades neste passo definidas não configura uma relação jurídica de emprego público.



  1. Formação

Incumbe ao Ministério da Justiça  proporcionar aos conciliadores inscritos nas listas do Sistema Público um módulo formativo abrangendo a temática da cobrança de dívidas, sendo a sua frequência, por parte dos referidos profissionais, condição de permanência nas listas em que se encontrem inscritos e sendo replicada quando necessário.

  1. Os deveres do conciliador

O conciliador acha-se adstrito a um leque de deveres, como segue: 

O conciliador, no quadro actual, promove as diligências necessárias junto dos credores de molde a ser alcançado acordo que satisfaça os interesses dos envolvidos, cumprindo-lhe actuar de modo equidistante (?) face a todos os intervenientes, sem deixar de propor as soluções que, em consciência e de acordo com a informação disponível, julgue mais adequadas para a justa composição do litígio e para obviar à consolidação de situações de sobre-endividamento.

Mal se percebe a referência ao ‘modo equidistante’, que pode ser equívoca, quando, em princípio e por regra, o conciliador integra o núcleo do acto negocial em parceria com devedor e credor(es), destacando-se exactamente por se não limitar a aproximar os litigantes (como na mediação), antes intervindo na questão a discernir de modo inteiro por forma a lograr uma conciliação de equidade (ex aequo et bono).

Entende-se, pois, que se trata de um  lapsus calami do legislador que deve ser assumido cum grano salis.

Cumpre ao conciliador, designadamente:

  • Informar o devedor sobre os seus direitos e deveres, acompanhando-o nas negociações com os credores;


  • Notificar os credores da existência do procedimento do SISPACSE e bem assim da realização da denominada “sessão informativa”;


  • Dirigir as negociações com respeito por todos os interesses em presença;


  • Propor as soluções que se lhe afigurem mais adequadas tendo em vista os interesses de todos os envolvidos e a possibilidade de uma composição efectiva, equitativa e célere do litígio;


  • Auxiliar os intervenientes na formulação de propostas a incluir no acordo e, bem assim, na redacção do texto final do acordo;


  • Remeter o acordo ao Ministério da Justiça (Direcção-Geral da Política de Justiça) para depósito;


  • Informar tal Direcção, quando for o caso, de que não se encontram reunidas as condições necessárias para alcançar acordo, designadamente por falta de interesse de qualquer das partes.


Em ordem à realização da “sessão informativa” o credor deve prestar o seu consentimento para a gravação dos contactos telefónicos que mantenha com o conciliador.

Na ausência do consentimento, o credor é notificado por correio registado, com aviso de recepção, a expensas do devedor.

Para tanto, o devedor deve facultar ao conciliador a importância necessária, no prazo de três dias úteis, sob pena de cessação imediata do procedimento.

  1. Os princípios de actuação

Os conciliadores assegurarão, ao longo do procedimento, a estrita observância dos  princípios da celeridade, independência, imparcialidade, legalidade e transparência, sob pena da sua exclusão das listas pela entidade gestora.

O conciliador sujeita-se ao sigilo profissional no que tange aos factos cognoscíveis no decurso do procedimento conciliatório.

O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou da prestação de serviços no Sistema.

O Sistema de Resolução Alternativa dos Litígios de Consumo (RAL), no segmento a que se dirige, instituído pela Lei n.º 144/2015, de 08 de Setembro, afina – em extensão e profundidade – os princípios da independência e imparcialidade, a saber,

De molde a garantir a independência e a imparcialidade, assegurar-se-á que 

  • Não recebam instruções das partes nem dos seus representantes;

  • Não sejam destituídos das suas funções sem motivo justificado e devidamente fundamentado;

  • Não sejam remunerados em função do resultado do procedimento;

  • Enquanto durar o procedimento devem revelar à entidade gestora, de imediato, quaisquer circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua independência e imparcialidade ou susceptíveis de causar conflitos de interesses com qualquer dos litigantes.

No particular da transparência, a lei é expressa em considerar que há que “assegurar  a divulgação nos sítios electrónicos na Internet das competentes entidades do Sistema, prestando a qualquer pessoa que o solicite, por escrito ou por qualquer outro meio adequado, informação clara e facilmente inteligível sobre:

  • Os seus contactos, incluindo o endereço de correio postal e o endereço de correio electrónico;


  • O facto de constarem da lista de entidades de RAL;


  • As pessoas singulares responsáveis pelo procedimento, o processo pelo qual são nomeadas e a duração do seu mandato;


  • A comprovação da competência, a imparcialidade e a independência das pessoas singulares responsáveis pelo procedimento;


  • A participação em redes de entidades que propiciem  a resolução de litígios transfronteiriços, se aplicável;


  • A natureza e âmbito dos litígios que as entidades são competentes para tratar, incluindo eventuais limites quanto à sua competência em razão do valor dos litígios;


  • As regras processuais aplicáveis à resolução dos litígios, incluindo as diligências preliminares impostas ao consumidor, designadamente a necessidade de um contacto prévio com o fornecedor com vista à resolução do litígio, bem como os motivos pelos quais tais  entidades podem recusar o tratamento de um litígio;


  • As regras que a entidade pode adoptar como base para a resolução de litígios, bem como informação sobre os efeitos jurídicos do resultado do procedimento seguido;


  • A possibilidade ou a impossibilidade de as partes desistirem do procedimento;


  • Se aplicável, os custos do procedimento para as partes, incluindo as eventuais regras de repartição destes no final do procedimento;


  • A duração média de tais procedimentos;


  • O cumprimento das obrigações de qualidade de serviço.


A celeridade está, com efeito, predeterminada na lei geral como na que provê ao Sistema Público, em que em princípio não pode ultrapassar os 60 dias da abertura do procedimento ao resultado final, salde-se ou não por acordo.



  1. Honorários

A remuneração a auferir pelo conciliador no Sistema Público  por cada procedimento de conciliação concluído, independentemente do número de sessões realizadas, é de € 180, acrescido de IVA – Imposto sobre Valor Acrescentado, quando aplicável. 

Caso o procedimento de mediação seja concluído por acordo entre as partes, ao montante referido no número anterior acresce a majoração de € 30, acrescido de IVA, quando aplicável. 

O pagamento de um tal montante  efectua -se nos seguintes termos: 

  • € 70, após o termo da sessão informativa , realizada entre o devedor e o credor ou credores, acrescido de IVA, quando aplicável; 

  • A quantia remanescente, após o termo da última sessão de conciliação realizada e, sendo caso disso, acrescida da majoração devida pelo acordo. 

A primeira sessão realizada entre o conciliador e as partes inclui a sessão informativa realizada entre o devedor e respectivo credor ou credores e, prosseguindo o processo para negociações, também a primeira sessão de conciliação. 

Caso não haja lugar à realização de qualquer sessão de conciliação, é apenas devido ao conciliador, pela realização da sessão informativa, o montante correspondente à prestação inicial (€ 70).

O pedido de pagamento de honorários pelo conciliador é submetido na plataforma electrónica referenciada infra, mediante a apresentação da correspondente factura. 


  1. Suporte: a plataforma electrónica

A plataforma electrónica está acessível no endereço electrónico: 

https://dgpj.justica.gov.pt/sispacse.

A sua gestão incumbe ao Ministério da Justiça (DGPJ).

A autenticação dos utilizadores na área reservada da plataforma electrónica efectua-se com recurso:

  • A nome de utilizador e palavra-passe; ou


  • Quando as condições técnicas o permitirem, ao cartão de cidadão, à Chave Móvel Digital ou a um sistema de identificação electrónica notificado pelos Estados-membros da União Europeia, ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 910/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 2014, relativo à identificação electrónica e aos serviços de confiança para as transacções electrónicas no mercado interno.

As comunicações e notificações escritas no âmbito do Sistema Público são efectuadas preferencialmente através da plataforma electrónica, ficando disponíveis para consulta dos intervenientes no procedimento.

Quando emitida uma notificação para consulta na área reservada remete-se  ao utilizador uma mensagem de aviso para o respectivo endereço de correio electrónico.

A plataforma informática garante a integralidade, autenticidade e inviolabilidade dos documentos apresentados e da informação estruturada nela contida.

A plataforma informática garante o sigilo da informação e dos documentos por este cobertos, nos termos da lei, ao qual se encontram obrigadas todas as pessoas que, no exercício das suas funções, a ela acedam.

O processo negocial pode ser conduzido presencialmente ou à distância, sendo as comunicações à distância asseguradas por plataforma de transmissão de som e imagem em tempo real indicada pelo conciliador a todos os intervenientes e disponível a instâncias do responsável pelo tratamento.

O procedimento de conciliação pode realizar-se em qualquer local que se revele adequado para o efeito e se disponibilize pelo conciliador. 

As negociações no quadro do Sistema Público respeitarão os princípios orientadores da recuperação extrajudicial de devedores. 

O conciliador que viole os deveres de exercício da respectiva actividade e, no caso da mediação em sistema público, dos actos constitutivos ou regulatórios do sistema público de conciliação, é civilmente responsável pelos danos causados, nos termos gerais de direito. 

Ao procedimento de conciliação desenvolvido no quadro do Sistema Público aplicam-se, com as devidas adaptações, os princípios da voluntariedade (10) e da confidencialidade do procedimento (11), da igualdade das partes (12) e da responsabilidade do conciliador (13), previstos nos lugares apropriados da Lei da Mediação.

As negociações terão a duração máxima de 60 dias, contados da data de nomeação do conciliador, podendo tal prazo ser prorrogado uma única vez por idêntico período, mediante acordo escrito dos intervenientes.

No decurso das negociações, os credores que nelas hajam aceitado intervir ficam impedidos de instaurar qualquer acção ou praticar diligências de índole executiva tendentes à cobrança dos seus créditos, bem como de requerer a insolvência do devedor.

Compete ao conciliador comunicar a adesão do devedor e dos credores ao procedimento de conciliação, devendo fazê-lo por escrito aos agentes de execução designados nas execuções afectadas pelo Sistema, tal como lhe sejam comunicadas por devedor e credores na sessão informativa, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça.

  1. Quem pode recorrer ao Sistema Público

Podem recorrer ao Sistema Público de que se trata os devedores, pessoas singulares, residentes em território nacional, que se encontrem em situação de mora, na sua iminência, ou de não cumprimento definitivo de obrigações de natureza pecuniária, independentemente de actuarem na qualidade de consumidores.

  1. Exclusões

Não podem recorrer ao Sistema Público os devedores que, à data de apresentação do requerimento para o efeito, tenham pendente processo de insolvência, processo especial de revitalização ou processo especial para acordo de pagamento, regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

O Sistema Público não se aplica a:

  • Créditos tributários e créditos da Segurança Social;


  • Negócios jurídicos abrangidos pelo 


  • Plano de Acção para o Risco de Incumprimento, a que se alude retro

  • Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previstos de análogo modo em diploma próprio [Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro], 


  1. Procedimento conciliatório: fases de negociação


  1. A figura do impetrante devedor

Cabe ao devedor indicar, no formulário instituído para o efeito, o nome completo e os dados de contacto dos seus credores, a origem, valor e data de vencimento dos créditos, bem como os respectivos garantes, caso existam.

O apoio na submissão electrónica ao formulário pode ser dispensado pelos serviços de atendimento com fins de apoio social assegurados pelas autarquias ou nos espaços cidadão, neste caso, mediante protocolo a celebrar entre a Agência para a Modernização Administrativa e o Ministério da Justiça (DGPJ), que deve regular, nomeadamente, a receita da entidade gestora do Espaço Cidadão.

Nos casos de impossibilidade técnica ou outra dificuldade na submissão electrónica, o formulário pode também ser dirigido em versão impressa à DGPJ, por via postal.

O procedimento cessa, de imediato, caso o devedor seja declarado insolvente ou se apresente à insolvência, a processo especial de revitalização ou a processo especial para acordo de pagamento.

  1. Requerimento para a intervenção do Sistema Público

O requerimento para intervenção do Sistema é apresentado pelo devedor ou por quem o represente, através do formulário disponível na plataforma electrónica, com indicação os casos em que a sua submissão beneficia de apoio dispensado por serviços de atendimento das autarquias ou de espaços cidadão.

Para tanto, o devedor ou quem o represente registar-se-á como utilizador na área reservada da plataforma electrónica, indicando designadamente:

  • Nome completo do devedor;


  • Número de identificação fiscal do devedor;


  • Domicílio do devedor;


  • Endereço de correio electrónico do devedor;


  • Contacto telefónico do devedor;


  • Nome ou designação do credor e garantes;


  • Número de identificação fiscal ou de pessoa colectiva do credor e garantes;


  • Endereço de correio electrónico do credor e garantes;


  • Contacto telefónico do credor e garantes;


  • Dados de identificação do crédito, como montante e data de vencimento, juntando a respectiva documentação de suporte;


  • Não se encontrar em processo de insolvência, processo especial de revitalização ou processo especial para acordo de pagamento.

Quando o pedido seja submetido por representante do devedor, deve este indicar ainda os seguintes dados:

  • Nome completo;


  •  Qualidade em que intervém, juntando documentação de suporte;


  • Número de identificação fiscal;


  • Domicílio;


  • Endereço de correio electrónico;


  • Contacto telefónico;


  • Número de cédula profissional, se aplicável.


  1. Trâmites: a sessão informativa 

É obrigatória a realização de uma sessão informativa, com o fito de esclarecer  devedor e seus credores sobre os objectivos a alcançar através da conciliação, as técnicas a adoptar e a eficácia jurídica dos acordos concluídos no seu âmbito.

O conciliador notifica devedor e credores identificados no correspondente formulário para comparecerem na sessão informativa.

Meio: a notificação é susceptível de se  efectuar por contacto telefónico ou por qualquer outro meio que garanta a cognoscibilidade da comunicação pelo destinatário: em qualquer dos casos, as comunicações preservar-se-ão de forma duradoura, quer através de sistema de gravação áudio, quer através de registo escrito que permita o rastreio de todas as alterações efectuadas.

O formulário acompanhará a notificação ao credor, se o for por escrito, ou, caso contrário, facultar-se-lhe-á até ao dia útil anterior ao da realização da sessão, 

A sessão efectuar-se-á no lapso de até cinco dias. 

A sessão pode decorrer tanto presencial como virtualmente: a via tecnológica disponibilizá-la-á o responsável pelo tratamento, que permita a sua realização à distância, com transmissão em tempo real de som e vídeo.

Cada um dos credores deve declarar na sessão informativa se aceita ou não negociar com o devedor no âmbito do Sistema instituído.

O relato da sessão é obrigatoriamente reduzido a escrito em formulário, subscrito por todos os intervenientes quando a sessão se realize presencialmente ou acompanhado de registo audiovisual das manifestações de vontades dos envolvidos, nos demais casos, no qual se ateste designadamente se o procedimento prossegue para negociações.

  1. O dever de comparência à sessão informativa

Ficam vinculados ao dever de comparecer à sessão os interessados notificados nos termos a tal propósito expressos.

Considera-se justificada a ausência do credor que comprove perante o conciliador a ocorrência de justo impedimento para a sessão para que fora notificado  nas 48 horas úteis subsequentes à respectiva notificação, nos casos de impedimento já conhecido, ou do agendamento da sessão informativa, nos casos de impedimento superveniente.

A não justificação do credor à sessão informativa determina o agravamento em 75 % das taxas de justiça devidas pela propositura, por este, de acções judiciais para a cobrança dos créditos cuja negociação seja requerida no Sistema de Apoio à Conciliação, incluindo o procedimento de injunção.

Tal regime não é aplicável ao credor que, notificado regularmente, comprove perante o conciliador ter participado em anterior sessão informativa por iniciativa do mesmo devedor e desde que se verifique identidade entre o objecto dos procedimentos.

Aplica-se, neste particular, com as devidas adaptações, o regime constante do justo impedimento (evento não imputável à parte nem a quem a represente que obste à prática tempestiva do acto) previsto Código de Processo Civil, a saber:

[Quem  alegar o justo impedimento oferece logo prova; o conciliador, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o acto fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte revelou diligência no acto].

Quando o evento constitua facto notório, o justo impedimento é de conhecimento oficioso.

  1. O acordo: formalidades

O acordo alcançado deve ser assinado pelo conciliador, pelos intervenientes que o aceitem, incluindo os garantes que nele participem, constituindo título executivo, de harmonia com as prescrições próprias do Código de Processo Civil. 

O director-geral da Política de Justiça aprovará as minutas a utilizar no âmbito do Sistema Público: tais minutas estarão disponíveis no sítio da Internet da respectiva Direcção-Geral.

  1. Dados pessoais

Os dados pessoais objecto de tratamento são pseudonimizados decorridos 5 anos desde a conclusão da intervenção do conciliador e apagados 15 anos depois da pseudonimização.

Ao tratamento de dados pessoais neste particular aplica-se o Regulamento Geral de Protecção de Dados emanado do Parlamento Europeu e do Conselho a 27 de Abril de 2016 e as leis complementares adoptadas no País.

Responsável pelo tratamento dos dados pessoais é a DGPJ, à qual incumbe a adopção das medidas técnicas, organizativas e de segurança adequadas, designadamente a aplicação dos requisitos técnicos exigidos aos sistemas de informação vigentes no País.

  1. Encargos  e suas responsabilidades

O acesso à sessão informativa é isento de encargos para devedores e credores.

O início da fase de negociações tem, porém, o custo único de € 30 suportado pelo devedor.

O pagamento de tal importância é efectuado por Documento Único de Cobrança.

Aos conciliadores são devidos honorários a cargo do Ministério da Justiça (DGPJ).

O montante e o momento de pagamento dos honorários figuram na portaria que regulamenta o diploma base e constam dos passos precedentes.

  1. Reporte de dados estatísticos 

 Os conciliadores obrigam-se a proceder ao reporte trimestral, perante o Ministério da Justiça (DGPJ), dos dados estatísticos atinentes ao funcionamento do Sistema,  determinados por despacho do director-geral respectivo, através de formulário electrónico disponível no sítio da Internet da DGPJ.

Com base na informação reportada, a DGPJ elabora relatório com periodicidade trimestral a ser presente ao Ministro.


III

A RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOS DE CONSUMO: OS CASOS ESPECIAIS DAS RELAÇÕES CREDITÍCIAS

1. A desjudicialização dos conflitos de consumo

2. Conceito e estrutura dos centros de arbitragem de conflitos de consumo

2.1. Meios coenvolvidos

2.2. Procedimentos simples, acessíveis, céleres, eficazes e graciosos ou, ao menos, não  onerosos

2.3.     Os procedimentos RAL no quadro de uma justiça acessível e pronta

3. A arbitragem necessária: como modalidade primacial 

  1.  A arbitragem voluntária residual em matéria de conflitos de consumo

  2.  A arbitragem necessária (?) nos conflitos emergentes das relações creditícias

  3.  A tradução de tais ditames no ordenamento jurídico pátrio




  1. A desjudicialização das lides de consumo

Como em outra ocasião o sustentámos (14), “regra de ouro dos sucessivos planos de acção editados na União Europeia é a de se subtrair a resolução dos litígios aos convencionais órgãos de judicatura de molde a imprimir às ocorrentes controvérsias celeridade, em condições de graciosidade ou, ao menos, de não onerosidade dos pleitos, em termos gerais.

Refira-se que já no plano preliminar emanado da então Comunidade Económica Europeia e esboçado em 1975 [com data de 14 de Abril de 1975], os meios alternativos se insinuam, numa alusão à arbitragem dos litígios suscitados neste domínio.


E, conquanto em determinados diplomas haja alusão a órgãos jurisdicionais, avulta sempre a característica do empenho em que os litígios se dirimam por vias extrajudiciais. 


E, no exemplo a que ora se recorre, o da Directiva atinente à “protecção do consumidor relativamente a determinados aspectos dos contratos de utilização periódica de bens, de aquisição de produtos de férias de longa duração, de revenda e de troca (vulgo, do timeshare) não se aparta evidentemente a hipótese do recurso a órgãos jurisdicionais e até administrativos, como resulta expressamente do seu artigo 13, como segue:



“Acções de carácter judicial e administrativo


1. Os Estados-membros devem assegurar, no interesse dos consumidores, a existência de meios adequados e eficazes para garantir que os profissionais cumpram o disposto na presente directiva.

2. Os meios referidos no n.º 1 incluem disposições que confiram a um ou mais dos seguintes organismos, determinados pela lei nacional, o direito de intentar, nos termos dessa lei, perante os tribunais ou órgãos administrativos competentes, acções tendentes a garantir a aplicação das disposições nacionais aprovadas em execução da presente directiva:

a) Organismos e autoridades públicos ou seus representantes;

b) Organizações de consumidores com um interesse legítimo na protecção dos consumidores;

c) Organizações profissionais com um interesse legítimo em intentar tais acções.”


De qualquer sorte, a tónica é sistematicamente colocada nos denominados meios alternativos (tão adequados quanto os mais) que perseguem de modo consequente o escopo da celeridade, segurança, eficácia e não onerosidade que nos mais meios parece, em geral, não se verificarem.


Realce-se, pois, que os meios, vias ou procedimentos alternativos estiveram sempre em mira como forma de os consumidores lesados acederem com presteza a um sistema susceptível de lhes dispensar justiça de modo expedito, seguro e firme.


Sucessivos instrumentos normativos emanados da União Europeia arrancam de análogos princípios e apontam numa tal orientação.

Razão por que a desjudicialização tende a conferir aos órgãos que relevam da administração pública da justiça preponderância negativa  neste particular, subtraindo aos tribunais judiciais a apreciação e julgamento dos litígios com o timbre das relações jurídicas de consumo controvertidas.

  1. Rede de Arbitragem de Consumo: conceito e estrutura

A lei conceitua “rede de arbitragem de consumo» a que integra os centros de arbitragem de conflitos de consumo autorizados de molde a prosseguir as actividades de informação, mediação, conciliação e arbitragem de tais litígios.

O objectivo a que visa é o de assegurar a coordenação, a utilização de sistemas comuns e a harmonização dos procedimentos adoptados nas actividades de informação, mediação, conciliação e arbitragem de litígios de consumo.

Cumpre à rede promover o funcionamento integrado dos centros de arbitragem de conflitos de consumo.

As entidades congregadas em redor da rede adoptarão um sistema de informação comum e procedimentos harmonizados nas actividades a que se votam. 

Reger-se-ão por regulamento editado pelas Direcções-Gerais do Consumidor e da Política de Justiça, que coordenarão e supervisionarão a rede.

Conquanto a rede se denomine de “arbitragem”, toma-se, ao que parece, a parte [a arbitragem institucional de conflitos] pelo todo: e, com efeito, nela se sediam as demais valências e de não menor relevância, a saber, a informação susceptível de prevenir os litígios, a mediação e a conciliação ex aequo et bono.

Os centros de arbitragem de conflitos de consumo adscrevem-se a específicas obrigações por imperativo legal:

  • Asseguram o tratamento de litígios de consumo, tanto em linha, como por meios convencionais;

  •  Garantem o atendimento ao público e divulgam nos seus Portais Electrónicos os horários para o efeito estabelecidos;

  • Cumprem tempestivamente os ditames de reporte de informação às entidades regulatórias;

  • Promovem, face às capacidades próprias, a especialização em razão da matéria, nomeadamente quanto a serviços públicos essenciais, afectando quadros devidamente qualificados para o efeito;

  • Difundem, em decorrência de iniciativas adrede assumidas, os benefícios dos instrumentos de resolução extrajudicial dos litígios de consumo;

  • Divulgam anualmente, nos respectivos Portais Electrónicos, por razões de transparência, as fontes de financiamento e correspondentes montantes;

  • Mantêm aí informação pertinente aos distintos procedimentos de resolução extrajudicial dos litígios de consumo, nomeadamente no que tange à actividade em cada um dos segmentos desenvolvida.

Afigurar-se-nos-ia preferível se alterasse a denominação dos centros de arbitragem para centros de resolução extrajudicial de litígios de consumo. Porque se entende que a conformação prevalente, deverá ser a da conciliação e a da mediação, em dados termos, que cumpriria especificar, já que, nos seus moldes convencionais, a mediação é de todo desajustada aos pleitos de consumo em que impera, não uma relação inter pares, mas algo de desnivelado, por definição, numa relação de supra / infra-ordenação, que há que esbater numa sorte de mediação musculada para que o consumidor não seja esmagado pelo seu contraventor.

E, mau grado as advertências, tal passo ainda se não encetou.


  1.  Meios coenvolvidos

As “entidades de RAL», vale dizer, as que, independentemente da sua designação, se encontrem estabelecidas em Portugal e que garantam a resolução de litígios de consumo, por meio de um dos procedimentos de “resolução alternativa de litígios” , integram a enunciada Rede.

E, para além dos mais trabalhadores que asseguram o cumprimento das actividades correntes, disporão de uma bolsa de juízes- árbitros qualificados para as específicas missões a que se adscrevem.

É a cada uma das entidades que incumbe não só o recrutamento dos mais trabalhadores como dos conciliadores, mediadores e juízes-árbitros que os integram.

As entidades de RAL asseguram que quem nelas colabore  possua comprovadamente conhecimentos e qualificações no domínio da resolução de litígios de consumo, bem como conhecimentos adequados em Direito.

Às entidades de RAL cabe ainda  ministrar formação a quantos sejam responsáveis pela execução dos  procedimento de RAL.

Incumbe  a cada um dos  centros de arbitragem de conflitos de consumo assegurar as condições materiais e técnicas à realização das acções de formação neste passo cabíveis em razão das exigências funcionais antevistas.

  1.  Procedimentos simples, acessíveis, céleres, eficazes e graciosos ou, ao menos, não onerosos

As entidades implicadas na RAL assegurarão  que os procedimentos a adoptar sejam simples, disponíveis,  facilmente acessíveis e eficazes, tanto em linha (online) como pelos meios convencionais, para ambos os litigantes, independentemente do local onde se encontrem.

Assegurarão também  que os litigantes  não hajam  de recorrer a advogado e possam fazer-se acompanhar ou representar por terceiros em qualquer fase do procedimento.

Os procedimentos são gratuitos ou importarão para os consumidores o pagamento de montante de valor reduzido.

As entidades de RAL a que haja sido  presente  pretensão deduzida por consumidor, dado que o recurso a tais meios é de mão única,  não podendo ser accionados pelo fornecedor, devem notificar as partes do litígio assim que de posse de  todos os documentos com as  informações relevantes da lide disponíveis.

Os procedimentos devem ser decididos no lapso de 90 dias a contar da data em que seja presente o processo na íntegra: o prazo é, porém, susceptível de prorrogação, no limite, por duas vezes, por iguais períodos, caso o litígio revele especial complexidade; os litigantes  serão notificados da prorrogação e do tempo limite para a conclusão dos autos.

  1.  Os procedimentos RAL no quadro de uma justiça acessível e pronta

A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor – a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho – prescreve no n.º 1 do seu artigo 14, sob a epígrafe “direito à protecção jurídica e direito a uma justiça acessível e pronta”, que

Incumbe aos órgãos e departamentos da Administração Pública promover a criação e apoiar centros de arbitragem com o objectivo de dirimir os conflitos de consumo.”

E, no seu n.º 2, se estatui que 

“Os conflitos de consumo de reduzido valor económico estão sujeitos a arbitragem necessária ou mediação quando, por opção expressa dos consumidores, sejam submetidos à apreciação de tribunal arbitral adstrito aos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados.”

E, no número subsequente, se esclarece que se “consideram conflitos de consumo de reduzido valor económico aqueles cujo valor não exceda a alçada dos tribunais de 1.ª instância [ora, nos 5.000 €].

A arbitragem de conflitos de consumo, como, aliás, a arbitragem em geral, pode rever-se numa dúplice modalidade: a arbitragem voluntária quanto a arbitragem necessária.

Antes de haver sido editada a Lei 6/2011, de 10 de Março, a arbitragem prosseguida nos tribunais arbitrais de conflitos de consumo era exclusivamente voluntária, obedecendo mutatis mutandis à lei da arbitragem voluntária e ao seu regulamento e bem assim aos regulamentos privativos de cada um dos centros de arbitragem, como tal denominados.

  1. As relações creditícias e a arbitragem dos litígios delas emergentes 

A Lei da Arbitragem Voluntária, na versão ora vigente [Lei 63/2011, de 14 de Dezembro] estatui no n.º 1 do seu artigo 1.º:

“Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.”

Conquanto a competência em razão do valor dos actuais tribunais arbitrais de conflitos de consumo varie de órgão para órgão, só os litígios cuja utilidade económica não exceda a alçada dos tribunais de primeira instância (ora ainda estabelecida nos 5. 000 euros) é que cabem na arbitragem necessária ali prosseguida.

Nos tribunais arbitrais de conflitos de consumo cuja competência ad  valorem não exceda a alçada dos tribunais de primeira instância não se admitirá, em princípio, a submissão, a apreciação e julgamento de causas cujo montante ultrapasse um tal limite, conquanto se pudesse prever que a conciliação e a mediação, em termos musculados, como se assinalou, pudessem superar os interesses ali implicados de valor superior.

A primeira experiência de arbitragem necessária decorreu de propostas nossas, amiúde renovadas, e que se fizeram eco no espírito de um deputado ao Parlamento português, antigo director-geral do Consumidor, José Manuel Pereira Ribeiro, que com inenarrável resistência, levou ao Hemiciclo um projecto de lei que veio, anos volvidos, a culminar na Lei 6/2011, de 10 de Março, gizada como segue:

“O artigo 15.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, alterada pelas Leis n.ºs 12/2008, de 26 de Fevereiro, e 24/2008, de 2 de Junho, passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 15.º

Resolução de litígios e arbitragem necessária

1 - Os litígios de consumo no âmbito dos serviços públicos essenciais estão sujeitos a arbitragem necessária quando, por opção expressa dos utentes que sejam pessoas singulares, sejam submetidos à apreciação do tribunal arbitral dos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados.

2 - Quando as partes, em caso de litígio resultante de um serviço público essencial, optem por recorrer a mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos suspende-se no seu decurso o prazo para a propositura da acção judicial ou da injunção.»

Só mais tarde, em 2019, pela Lei 63/2019, de 16 de Agosto, se estendeu a arbitragem necessária a todos os litígios de consumo, no recorte que deles se concebe e com as usuais restrições face ao ordenamento jurídico europeu e com reflexos no pátrio, em que consumidor é, em regra, a pessoa singular (física) e tão só, com exclusão das mais: “uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos…, actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”. E com as restrições emergentes do valor da causa.

  1. A arbitragem voluntária residual em matéria de conflitos de consumo

No quadro actual, é susceptível de se perspectivar ainda – na amplitude da alçada da primeira instância (5.000€) à  da segunda (30 000 €) –, nos tribunais arbitrais em que se admita como limite de valor o da alçada dos Tribunais da Relação,  a arbitragem voluntária mediante ou a adesão prévia dos fornecedores ou a convenção arbitral subsequente.

Tal situação apresenta-se como algo de heterogéneo, já que não há uma qualquer uniformidade a este propósito no tocante à competência em razão do valor dos tribunais arbitrais de competência genérica.

  1. A arbitragem necessária (?) nos conflitos emergentes das relações creditícias

No que tange aos conflitos suscitados no quadro do crédito ao consumidor (crédito pessoal lato sensu), como no do crédito hipotecário mantêm-se os propósitos das instâncias europeias quanto às vias para a regularização das controvérsias em que se envolvam consumidores e instituições de crédito e sociedades financeiras.

Com efeito, a Directiva do Crédito ao Consumidor –  2008/48, de 23 de Abril -, no seu artigo 24, sob a epígrafe “resolução extrajudicial de litígios”, prescreve de forma significativa que

1. “Os Estados-membros devem assegurar a instauração de procedimentos extrajudiciais adequados e eficazes de resolução dos litígios de consumo relacionados com contratos de crédito, recorrendo, se necessário, a organismos existentes.

2. Os Estados-membros devem incentivar os referidos organismos a cooperarem no sentido de também poderem resolver litígios transfronteiriços relacionados com contratos de crédito.”

Outrotanto no que ao regime do crédito hipotecário atine.

A Directiva nº 2014/17/UE, de 04 de Fevereiro de 2014, sob a epígrafe  “mecanismos de resolução de litígios”, prescreve no seu artigo 39:

“1. Os Estados-membros asseguram o estabelecimento de procedimentos adequados e eficazes de reclamação e recurso para a resolução extrajudicial de litígios de consumo com os mutuantes, os intermediários de crédito e os representantes nomeados em relação a contratos de crédito, utilizando as entidades já existentes, se for caso disso. Os Estados-membros asseguram que esses procedimentos se apliquem aos mutuantes e aos intermediários de crédito e abranjam as actividades dos representantes nomeados.

2. Os Estados-membros exigem que as entidades responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo cooperem para que os litígios transfronteiriços relacionados com contratos de crédito possam ser resolvidos.”

O pendor do Parlamento como do Conselho da União (Conselho este constituído pelos ministros da pasta respectiva de cada um dos Estados-membros) para o recurso aos meios extrajudiciais é patente nestes dois normativos pelas razões noutro passo expendidas. 

Razões de celeridade manifesta presidem a tais propósitos, sendo inegável que as delongas dos procedimentos judiciais, no seio dos órgãos de judicatura que relevam da administração da Justiça do Estado, apontam de modo premente  para as soluções extrajudiciais, sem, no entanto, se fechar a porta – por evidentes razões de constitucionalidade – ao recurso aos órgão jurisdicionais se os consumidores assim o entenderem.

  1. A tradução de tais ditames no ordenamento jurídico pátrio

Portugal traduziu a norma pertinente à Directiva do Crédito ao Consumidor de 23 de Abril de 2008 no artigo 32 do Regime Jurídico do Crédito ao Consumidor (DL 133/2009, de 2 de Junho), cuja versão original  se apresentava como segue, sob a epígrafe: “resolução extrajudicial de litígios”

“1 - A Direcção-Geral do Consumidor e o Banco de Portugal, em coordenação com o Ministério da Justiça, colaboram, no âmbito das respectivas competências, na implementação de mecanismos extrajudiciais adequados e eficazes para a resolução dos litígios de consumo relacionados com contratos de crédito e com o endividamento excessivo de consumidores.

2 - As instituições competentes para a resolução extrajudicial de litígios de consumo relacionados com contratos de crédito devem adoptar políticas de cooperação com as instituições congéneres dos restantes Estados Membros da União Europeia.”

E, conquanto o dispositivo não haja tido eventual concretização, volvidos oito anos sobre a entrada em vigor de uma tal norma [de 2009 a 2017], o facto é que os tribunais arbitrais adstritos aos centros de arbitragem instalados e em funcionamento, se bem que na órbita da arbitragem institucional até aos escassos limites consentidos, terão sido chamados a dirimir eventuais conflitos suscitados no domínio dos serviços financeiros. 

Oito anos após, ante a inépcia revelada em ordem à constituição de estruturas especializadas no quadro da arbitragem institucional, o artigo de que se trata sofreu uns retoques, achando-se agora formulado – em consonância com o que emerge do crédito hipotecário - do jaez que segue:

“1 - Sem prejuízo do acesso pelos consumidores aos meios judiciais competentes, os mutuantes devem oferecer aos consumidores o acesso a meios extrajudiciais eficazes e adequados de reclamação e de resolução de litígios, respeitantes aos direitos e obrigações estabelecidos no presente decreto-lei.

2 - A oferta referida no número anterior efectiva-se através da adesão a, pelo menos, duas entidades que possibilitem a resolução alternativa de litígios, nos termos previstos na Lei n.º 144/2015, de 8 de Setembro.

3 - No prazo de 15 dias após a adesão prevista no número anterior, os mutuantes comunicam as entidades a que hajam aderido ao Banco de Portugal, que publicita essa informação no seu sítio na Internet.

4 - Os mutuantes devem ainda assegurar que a resolução de litígios transfronteiriços seja encaminhada para entidade signatária do protocolo de adesão à rede de cooperação na resolução alternativa de litígios transfronteiriços no sector financeiro (FIN-NET).”

O regime jurídico do crédito hipotecário, acrescente-se, plasmou no seu artigo 38 um preceito cuja redacção é rigorosamente a mesma que a do artigo 32 do Crédito ao Consumidor.

Por conseguinte, os procedimentos extrajudiciais, a saber, mediação, conciliação e arbitragem, estão desde então disponíveis aos consumidores que se envolvam em pleitos emergentes de relações creditícias com sociedades financeiras e instituições de crédito.

No entanto, situações há que se suscitam instantemente a partir dos textos e da realidade circum-envolvente que urge denunciar vigorosamente neste passo.

Os litígios que decorrem das relações creditícias mal cabem nos que se submetem a arbitragem necessária pelos montantes envolvidos.

O crédito ao consumidor (crédito pessoal e demais perfilados), pelos limites estabelecidos pela directiva e pela lei escaparão em geral e ou só episodicamente se inscreverão na esfera da competência em razão do valor dos tribunais arbitrais já que, pelos montantes admissíveis, os limites mínimo e máximo se situam no leque dos 200 € aos 75 000 €: o que quer significar que não há contratos subsumíveis ao regime ali estabelecido de valor inferior a 200€ nem superior a 75 000 €.

E, no que tange aos contratos de crédito imobiliário (hipotecário) não haverá de todo (é inimaginável) contratos de montante inferior a 5 000 € para poderem os litígios deles decorrentes caber na esfera dos tribunais arbitrais necessários.

Por conseguinte, ou se está perante uma excepção ao regime dos tribunais arbitrais necessários (alargando-se o âmbito aleatoriamente ao valor nominal dos contratos em causa) ou perante arbitragem voluntária precedendo adesão prévia das instituições de crédito a dois dos seis (em princípio, seis dos que vogam na órbita da rede dos de consumo).

Só que a adesão prévia não é voluntária, antes imposta (na fase anterior por mero aviso do Banco de Portugal, algo que comportava irregularidades de tomo, inabarcáveis nos poderes de supervisão bancária do Banco Central e em directa afronta aos poderes normativos deferidos pela Constituição aos órgãos legiferantes) e, na fase actual, mercê de norma imperativa decorrente de um diploma legal emanado do Governo (“a oferta … efectiva-se através da adesão a, pelo menos, duas entidades que possibilitem a resolução alternativa de litígios, nos termos previstos na Lei n.º 144/2015, de 8 de Setembro”)…

  1.  Os problemas que a adesão forçada das instituições de crédito e sociedades financeiras suscita

A utilidade económica dos litígios decorrentes de relações creditícias, em qualquer das vertentes por que se desdobram (crédito pessoal, crédito hipotecário), é insusceptível de caber nos exíguos montantes da arbitragem necessária [Lei n.º 24/96, de 31 de Julho: n.ºs 2 e 3 do artigo 14, a saber, os 5.000€].

Donde, ou ser irrealista a previsão dos n.ºs 2 dos artigos 32 e 38, respectivamente, dos regimes do Crédito ao Consumidor e do Crédito Hipotecários, ou perspectivarem-se questões outras que importa equacionar convenientemente.

Haverá, face aos valores em presença, um alargamento, para os casos específicos, do valor até ao qual os tribunais arbitrais necessários julgam, pontualmente esquadrinhado?

Ou nos montantes que excedam – e serão a larga maioria – os estritos limites da arbitragem necessária passa a haver, sem limite de valor, arbitragem voluntária precedendo prévia adesão?

Mas, o que é facto, é que a adesão não é voluntária: os bancos e as sociedades financeiras obrigam-se ex vi legis.

Só que tal não cabe, por se tratar, a seu modo de procedimentos necessários, forçados, forçosos, impostos, obrigatórios, nos poderes legislativos constitucionalmente deferidos ao Governo.

Trata-se, em devidos termos, de algo cuja previsão cabe na alínea p) do n.º 1 do artigo 165 da Constituição da República, a saber, 

É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:

p) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos.”

E o facto é que o diploma emanado do Governo não se funda em uma qualquer autorização legislativa que neste passo lhe permita transformar, no círculo da adesão imposta, os tribunais arbitrais visados de voluntários em necessários nem sequer se justifica uma tal imposição que, por natureza e essência, assenta na voluntariedade.

Logo, haver neste particular uma inconstitucionalidade orgânica que cumpre denunciar hic et nunc.

Ademais, a adesão a dois centros de arbitragem não supera as dificuldades de acesso que as circunstâncias poderão acarretar.

Se, por exemplo, uma dada instituição de crédito houver aderido a aos centros de arbitragem de Lisboa e Faro, os consumidores do Norte e Centro do País e do Alentejo ficarão necessariamente limitados territorialmente sendo-lhes particularmente oneroso o accionamento dos tribunais arbitrais alvo de eleição pelo dador de crédito…

Em conclusão, a solução antevista é insusceptível de premiar o recurso a uma justiça acessível e pronta, como o pretende a lei e aspiram os justiciáveis.

O intuito seria, bem entendido, haver criado de raiz instituições de resolução extrajudicial de litígios de natureza competência especializada, quer como o do Sector Automóvel como o dos Seguros.

Mas o desfavor que estas instituições têm merecido dos poderes traduz-se em soluções aziagas, comprometidas, como se o intuito fosse o de “fazer que anda mas não anda”…, num simulacro desprezível e de profundo mau gosto, como é, afinal, o que respeita aos consumidores, autênticos piões das nicas, como se usava dizer em Portugal, numa terra que não tem primado pela dignidade com que mister é curar dos interesses dos cidadãos quando trajam de consumidores para as suas deambulações pelos diferentes segmentos do mercado…


SÍNTESE CONCLUSIVA

As sucessivas crises que vêm surgindo no horizonte têm-se revelado propícias à eclosão de sérios desequilíbrios nos orçamentos das famílias, precipitando um avolumar de situações de crédito malparado e de insolvência no seio da unidade fundamental do tecido social, que é a das famílias, com o gravame daí emergente.

Como se previne no diploma conformador do Sistema Público de Conciliação, que a lume veio há meses,  em plena crise pandémica, “a estratégia de redução da mobilidade e de apartamento social exigida pelo combate à emergência de saúde pública provocou uma retracção súbita, de largo espectro, da actividade económica, com a consequente redução do rendimento das famílias, seriamente comprometedora da sua solvabilidade e da capacidade de cumprimento das obrigações assumidas.”

Daí que se impusesse à ordem jurídica facultasse ao devedor, pessoa singular, e aos seus credores, um sistema susceptível de promover a justa composição de litígios emergentes da mora e do não cumprimento das obrigações pecuniárias. E isto com base na negociação de soluções mediante a intervenção de um conciliador e de molde a lograr-se um juízo ex aequo et bono. Como se não houvesse já outros e tão esparsos meios, como os que de modo breve se passaram em revista.

Aliás, já em plena crise de 2007/2008, houve necessidade de intervir criando novas figuras como o Plano de Acção de Regularização do Incumprimento (PARI) e o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e, em simultaneidade, o delineamento de uma RACE – Rede Extrajudicial de Apoio ao Consumidor Endividado, de molde a atenuar os efeitos catastróficos de uma conflitualidade exacerbada com repercussões no volume processual dos competentes órgãos de judicatura ante a inamovibilidade das instituições de crédito e das sociedades financeiras perante situações de incumprimento que se protraiam no tempo.

De par com a figura do Mediador do Crédito, que qual Credit Ombud, surgido de uma densa noite de nevoeiro com a crise do sub-prime, viu a luz do dia, desamparado do mais, mas acocorado perante o Banco de Portugal e das suas divisões de supervisão comportamental, a despeito da sua proclamada independência funcional, para acudir aos consumidores em pânico ante a escassez de recursos financeiros e o avolumar das suas responsabilidades perante os dadores de crédito.

E, enfim, mas sem que o figurino geral se esgotasse, o SIPACSE (o Sistema Público de Apoio à Conciliação no Sobre-Endividamento), que funciona, em paralelo, com os mais meios, de modo nem harmónico nem coordenado, mas a que acrescem ainda os Procedimentos RAL (Resolução Alternativa de Conflitos de Consumo) com as vertentes da Mediação, Conciliação e, no limite, a Arbitragem institucional, ao que parece, necessária, que a União Europeia, através das suas instâncias legiferantes, com tradução nos normativos pátrios, entende estender às controvérsias geradas no quadro das relações creditícias das instituições de crédito e sociedades financeiras com os consumidores por real desconfiança dos tribunais da jurisdição do Estado, morosos, ineficazes, onerosos e nada eficientes. Donde a aposta na desjudicialização que, como se acentuou, data do programa preliminar da então Comunidade Económica Europeia em matéria de política de consumidores que se desencadeou no recuado ano de 1975.

Ora, haverá como que uma sobreposição de meios, numa sorte de “tudo ao molho e fé em Deus”, que não serve nem os consumidores nem a coisa pública nem um qualquer propósito de se buscarem efectivas soluções para os emergentes problemas.

Em meio a tanta fartura, os consumidores o que ficam é entregues à sua sorte com a pluralidade de recursos que desprezivelmente se consomem e em permanente perturbação, à míngua de conveniente informação, a que órgãos recorrer ante o assédio da banca e sociedades financeiras e a indigência, a hipossuficiência de que padecem.

Do que se carece é que os responsáveis governamentais, os que na administração central se lhes subordinam, e os do Banco Central se sentem à mesa, racionalizem os meios, esbocem e edifiquem um sistema com cabeça, tronco e membros, e ofereçam à comunidade jurídica algo de enxuto e funcional para que os consumidores endividados algo aproveitem do que na realidade se entenda repropor, garantindo-se-lhes o acesso de modo simples e congruente.

A mais se não almeja!


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NOTAS


  1. Vigora, neste particular, o Aviso 7/2021, de 20 de Dezembro de 2021, cujo sumário é do teor seguinte:

“Regulamenta os deveres a observar pelas instituições, ao abrigo do disposto no Decreto -Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto -Lei n.º 70 -B/2021, de 6 de agosto, no âmbito da prevenção e regularização de situações de incumprimento de contratos de crédito com consumidores, revogando o Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012.”

No que tange à “gestão do risco de incumprimento”, o seu artigo 7.º prescreve, sob a epígrafe “acompanhamento da execução dos contratos de crédito e prevenção do incumprimento”:

“1 — Tendo em vista assegurar o acompanhamento permanente e sistemático dos contratos de crédito por si celebrados e promover a prevenção do incumprimento de obrigações decorrentes desses contratos de crédito, as instituições realizam, com regularidade mínima mensal, as diligências necessárias para a identificação de indícios de degradação da capacidade financeira do cliente bancário para cumprir as obrigações decorrentes desses contratos de crédito.

2 — Para os efeitos previstos no número anterior, as instituições estão ainda obrigadas a:

a) Implementar sistemas informáticos que possibilitem a identificação oportuna da ocorrência de factos que indiciem a degradação da capacidade financeira do cliente bancário e que emitam alertas dessa situação às estruturas especificamente indicadas no PARI - Plano de Acção para o Risco de Incumprimento - para esse efeito;

b) Definir os procedimentos a observar pelos trabalhadores envolvidos no atendimento ao público, presencialmente ou através de meios de comunicação à distância, quando tomem conhecimento de factos que indiciem a degradação da capacidade financeira do cliente bancário, os quais devem, nomeadamente, estabelecer a obrigação de comunicação dessa informação à estrutura responsável pelo seu tratamento e análise e de cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do presente Aviso;

c) Desenvolver mecanismos que favoreçam a comunicação pelos clientes bancários de situações de dificuldade no cumprimento das obrigações assumidas, nomeadamente através da criação de canais específicos nos respectivos sítios na Internet, no homebanking e nas aplicações móveis, quando existam;

d) Garantir o tratamento integrado das informações recolhidas sobre o cliente bancário que apresente indícios de degradação da capacidade financeira ou que directamente alerte para a existência de risco de incumprimento dessas obrigações e assegurar a sua disponibilização às estruturas competentes;

e) Definir as estruturas competentes para o exercício das seguintes funções, identificando os seus responsáveis e os respectivos elementos de contacto:

i) Recolha de informação relativa ao cliente bancário;

ii) Tratamento e análise dessa informação;

iii) Avaliação do risco de incumprimento;

iv) Avaliação da capacidade financeira do cliente bancário;

v) Decisão sobre a apresentação de propostas ao cliente bancário e sobre o conteúdo dessas propostas;

vi) Realização de contactos com o cliente bancário;

vii) Prestação ao Banco de Portugal de informação relativa à elaboração e implementação do PARI, às alterações que, ao longo do tempo, lhe sejam introduzidas, bem como aos resultados da sua aplicação.

3 — As instituições devem assegurar que a estrutura designada como responsável pela função prevista na subalínea vii) da alínea e) do n.º 2 dispõe dos meios técnicos e humanos, bem como de toda a informação necessária ao cumprimento dessa função.

4 — Considera -se que estão verificados indícios de degradação da capacidade financeira do cliente bancário para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito sempre que, em face da informação disponível, seja previsível que o cliente bancário venha a incumprir as referidas obrigações, tomando em consideração, entre outros, os factos constantes do n.º 4 do artigo 9.º do regime geral de prevenção e regularização do incumprimento de contratos de crédito.

5 — As instituições devem especificar no PARI os elementos previstos no presente artigo.”

 ( 2) Os centros de arbitragem de conflitos de consumo, previstos na Lei 144/2015, de 08 de Setembro, têm por escopo, em especial:

  • Assegurar o tratamento de litígios de consumo durante todos os dias úteis, tanto em linha, como por meios convencionais;

  • Assegurar o atendimento ao público, durante todos os dias úteis, e divulgar nos respectivos sítios electrónicos na Internet o horário e meios de atendimento;

  • Cumprir tempestivamente as obrigações de reporte de informação às entidades reguladoras dos serviços públicos essenciais, nos termos definidos nos protocolos de cooperação;


  • Promover, atendendo à capacidade de cada um dos centros, a especialização em razão da matéria, nomeadamente quanto a serviços públicos essenciais, afectando pessoal devidamente qualificado para tratar os litígios em causa;

  • Promover a realização de, em média, uma iniciativa mensal de divulgação da arbitragem de consumo;

  • Divulgar, até 31 de Março de cada ano, nos respectivos sítios electrónicos na Internet, as fontes de financiamento da sua actividade e respectivos montantes, previstos e recebidos, relativos ao ano anterior;

  • Divulgar e manter actualizada, nos respectivos sítios electrónicos na Internet, informação sobre a arbitragem de consumo e respectiva actividade.

  1. PARI - Plano de acção para o risco de incumprimento

As instituições de crédito estão obrigadas a elaborar e a implementar um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), que descreva detalhadamente os procedimentos e as medidas adoptados para o acompanhamento da execução dos contratos de crédito e a gestão de situações de risco de incumprimento, de harmonia com o que dispõe o DL 227/2012, de 25 de Outubro..

O PARI deve especificar, em particular:

  • Os procedimentos adoptados para o acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito;


  • Os factos que, no âmbito dos procedimentos a que se alude precedentemente, são considerados como indícios da degradação da capacidade financeira do cliente bancário para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito;


  • Os procedimentos a adoptar pelos trabalhadores envolvidos no atendimento ao público, presencialmente ou através de meios de comunicação à distância, quando, por comunicação do próprio cliente bancário, tomem conhecimento de factos que indiciem o risco de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito;


  • Os procedimentos desenvolvidos para a recolha, tratamento, análise e registo da informação referente a clientes bancários que apresentem indícios de risco de incumprimento;


  • Os procedimentos implementados para o contacto com os clientes bancários que apresentem indícios de risco de incumprimento, incluindo, designadamente, o prazo para a realização do primeiro contacto após a detecção de um dos factos a que se alude supra ou do conhecimento dos factos de que hajam conhecimento por virtude do exercício das suas funções, o qual não pode exceder 10 dias;


  • As soluções susceptíveis de serem propostas aos clientes bancários em risco de incumprimento;


  • As estruturas responsáveis pelo desenvolvimento dos procedimentos e acções previstas no PARI, indicando, com detalhe, as respectivas competências e descrevendo os mecanismos previstos para a sua articulação com outras estruturas ou entidades potencialmente envolvidas nesses procedimentos e acções;


  • Os planos de formação dos trabalhadores a quem sejam atribuídas tarefas no âmbito do PARI;


  • Os prestadores de serviços de gestão do incumprimento responsáveis pelo desenvolvimento de procedimentos e acções previstos no PARI, caso existam, detalhando os serviços contratados e os mecanismos previstos para a sua articulação com as estruturas ou com outras entidades potencialmente envolvidas nesses procedimentos e acções.

As instituições de crédito devem disponibilizar o PARI aos seus trabalhadores em moldes que permitam a sua consulta imediata e permanente.

O Banco de Portugal definiu, mediante aviso n,º 7/2021, de 20 de Dezembro de 2021, os factos e os procedimentos relevantes para tais efeitos.

  1. O PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, criado pelo Decreto -Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, visa promover a regularização de situações de incumprimento através de soluções negociadas entre o cliente bancário e a instituição. As instituições estão obrigadas a integrar os créditos em incumprimento em PERSI entre o 31.º e o 60.º dia após a ocorrência do incumprimento. 

Caso o cliente bancário tenha alertado para o risco de incumprimento, as instituições devem iniciar o PERSI logo que se verifique o não pagamento de uma prestação. 

O cliente bancário com crédito em incumprimento pode solicitar em qualquer momento a integração imediata desse crédito em PERSI. 

Nos 5 dias seguintes ao início do PERSI, o cliente bancário será informado desse facto, bem como dos seus direitos e deveres no âmbito deste procedimento. 


Modelo de documento informativo que deve acompanhar a comunicação de início do PERSI

Negociação de soluções

 Nos 30 dias após a integração do crédito em incumprimento em PERSI, a instituição deve avaliar a capacidade financeira do cliente bancário, propondo-lhe soluções para renegociar o contrato de crédito ou consolidar dívidas, quando tal seja viável. 

O cliente bancário deve responder à(s) proposta(s) no prazo de 15 dias, podendo apresentar alterações ou propostas alternativas. 

A instituição não está obrigada a aceitar as propostas do cliente bancário. 

As instituições estão impedidas de cobrar comissões pela renegociação do contrato de crédito e não podem agravar a taxa de juro acordada com o cliente.

  1. Por “créditos hipotecários” se entendem os que o DL 74-A/2017, de 23 de Junho, considera no seu âmbito, a saber:


  • Contratos de crédito para a aquisição ou construção de habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento;

  • Contratos de crédito para aquisição ou manutenção de direitos de propriedade sobre terrenos ou edifícios já existentes ou projectados;

  • Contratos de crédito que, independentemente da finalidade, estejam garantidos por hipoteca ou por outra garantia equivalente habitualmente utilizada sobre imóveis, ou garantidos por um direito relativo a imóveis.

  • E ainda contratos de locação financeira de bens imóveis para habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, com excepções pontuais, de que ora não se cura.


  1. Por  “créditos pessoais em sentido lato” (crédito ao consumo ou ao consumidor, como hoje se usa dizer) se entende,  de harmonia com a classificação traçada pela autoridade reguladora: 


. “Crédito Pessoal”, 

. “Crédito Automóvel” e 

. “Cartões de 

. Crédito, Linhas de Crédito, Contas Correntes Bancárias e Facilidades de Descoberto”. 


E em cada uma das modalidades do crédito pessoal, eis como se nos apresenta o quadro, nele se incluindo o percentual da estrutura do crédito: 


. Crédito Pessoal (45,6%) - Finalidade Educação, Saúde e Energias Renováveis 1,5% - Locação Financeira de Equipamentos 0,4% - 

- Outros Créditos Pessoais 43,7% 


. Crédito Automóvel (34,1%) - Locação Financeira ou ALD: novos 5,5% - Locação Financeira ou ALD: usados 0,6% - Com reserva de propriedade e outros: novos 12,6% - Com reserva de propriedade e outros: usados 15,4% 

. Cartões de Crédito, Linhas de Crédito, Contas Correntes Bancárias e Facilidades de Descoberto 20,3% 


E estes aspectos, na sua universalidade, mister será se considerem nos processos de aprendizagem que se encetarem, para além de especificidades outras que importa de todo versar.


  1.  “Portugal ocupava em 2020 a última posição do ranking de literacia financeira dos 19 países da zona euro, segundo um gráfico do artigo “A comunicação do BCE com o público em geral”, publicado em Janeiro pretérito pelo Banco Central Europeu (BCE).

Segundo o gráfico, com dados de 2020, do artigo publicado no Boletim Económico do BCE, no topo do ‘ranking’ estão os alemães, holandeses e finlandeses e na base estão os portugueses, cipriotas e italianos.

O gráfico mostra o nível de literacia financeira do público em geral em cada um dos 19 países da zona euro. 25% dos portugueses, 35% dos cipriotas e quase 40% dos italianos responderam correctamente a, pelo menos, três das cinco perguntas, em comparação com 65% dos alemães e holandeses. As perguntas estavam relacionadas com temas como a diversificação do risco, inflação, aritmética e juros compostos.

Os economistas do BCE dizem que a comunicação dos bancos centrais tradicionalmente estava dirigida principalmente a especialistas, tais como os participantes do mercado financeiro, mas recentemente “têm feito mais esforços para chegar a um público não especializado mais vasto”. Definem o público em geral como o público não especializado e organizações profissionais representativas tais como associações empresariais, sindicatos, grupos políticos, etc.

Mulheres e desempregados com literacia financeira mais baixa

O interesse do público em temas relacionados com o BCE também varia muito de país para país, embora o principal interesse seja a política monetária. Em Itália e Espanha, o interesse em assuntos relacionadas com a supervisão bancária é muito maior do que em países como a Alemanha e os Países Baixos. E a discussão sobre o mandato e a responsabilidade do BCE é mais comum na Alemanha e em França do que noutros países.

A televisão (81%) é o principal canal através do qual o público recebe notícias sobre o BCE, seguida da imprensa escrita, imprensa na Internet, rádio e informação recebida através dos círculos sociais das pessoas, de acordo com dados de um inquérito Knowledge & Attitudes (K&A) em maio de 2021. Mas poucas pessoas recebem notícias sobre o BCE nas redes sociais.

O canal de rede social mais popular é o Facebook (14%), seguido do Twitter e LinkedIn. Os economistas do BCE sublinham que a comunicação do BCE é mais complexa do que a de outros bancos centrais porque tem de comunicar em muitas línguas. O BCE comunica em 24 línguas a 340 milhões de cidadãos em 19 países e tem de ter em conta os diferentes níveis de literacia financeira entre os países da zona euro.

O BCE considera que a legibilidade da nova “declaração de política monetária” do BCE melhorou significativamente em comparação com a anterior “declaração preliminar” e que a infografia da declaração de política monetária introduz um nível de comunicação mais acessível que lhe permite chegar melhor ao público em geral.”


  1. Portugal que, como emerge de documentos emanados da União Europeia, ocupa o último lugar na classificação dos países em que se põe em letra de forma planos de educação financeira, dispõe agora de um extraordinariamente bem elaborado Plano de Formação Financeira para o Quinquénio de 2021 a 2025. Só que do “projecto à obra”, como denunciava percucientemente Molière, pode distar um abismo.

E, com efeito, o leque de acções, de si tão abrangente, está de todo por realizar, a despeito das declarações de princípio do Governador do Banco de Portugal e de outras entidades irmanadas em uma tal parceria.

Eis a tipologia das acções:


Linha de acção 1: Educação financeira nas escolas

Rever o Referencial de Educação Financeira, com vista à integração de novas áreas temáticas, como os serviços financeiros digitais, a utilização segura dos canais digitais, a economia circular e a sustentabilidade, conforme previsto no Protocolo de Cooperação celebrado entre o Ministério da Educação e os supervisores financeiros16.

Intensificar o programa de formação de professores, apoiando os docentes na abordagem dos novos temas do Referencial de Educação Financeira.

Linha de acção 2: Formação financeira no local de trabalho

Estabelecer novas parcerias para alargar progressivamente, a um maior número de entidades do sector público, o projecto de formação financeira no local de trabalho iniciado no âmbito da parceria entre a Secretaria Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e os supervisores financeiros.

Estender também parcerias a entidades do sector privado.

Focar a formação financeira no local de trabalho nos temas relacionados com a resiliência financeira, nomeadamente a poupança, e a sua aplicação, o planeamento da reforma, o crédito, e o papel dos seguros na mitigação de riscos.

Linha de acção 3: Formação financeira através das autarquias locais

Estender a autarquias locais de diferentes regiões do país, através de parcerias com as respectivas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), o projecto de formação financeira iniciado na região do Norte, no âmbito da parceria entre a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) e os supervisores financeiros.

Aproveitar as redes das autarquias locais, incluindo os seus gabinetes de apoio ao consumidor e ao empreendedorismo, as associações empresariais locais, os meios de comunicação locais e as bibliotecas municipais, para através delas promover iniciativas de formação financeira de elevada capilaridade regional junto de diferentes públicos e reforçar a sua resiliência financeira.

Linha de acção 4: Formação financeira dos desempregados

Rever os percursos formativos da formação profissional, previstos nas Unidades de Formação de Curta Duração (UFCD) do Referencial de Educação Financeira, no sentido de integrar os temas da resiliência financeira, dos serviços financeiros digitais e da sustentabilidade.

Reforçar os cursos de formação profissional, no âmbito da parceria entre o Instituto do Emprego e Formação Profissional e os supervisores financeiros, apoiando os formadores na abordagem dos novos temas a integrar nas UFCD.

Linha de acção 5: Formação financeira para micro, pequenas e médias empresas

Integrar os temas da sustentabilidade e dos novos produtos financeiros, como o crowdfunding e os cripto-activos, nos cursos de formação dirigidos aos empreendedores e gestores para micro, pequenas e médias empresas, dinamizados no âmbito da parceria entre o IAPMEI, o Turismo de Portugal e os supervisores financeiros.

Ajustar os conteúdos formativos e a estratégia de actuação do Plano junto do público empresarial, em função das conclusões do 1.º inquérito à literacia financeira dos gestores de micro, pequenas e médias empresas, realizado em 2021.


Linha de acção 6: Parcerias com instituições de apoio aos cidadãos

Estabelecer parcerias com instituições de apoio aos cidadãos, tais como a Rede de Apoio ao Consumidor Endividado (RACE) e os Centros de Informação Autárquico ao Consumidor (CIAC), tendo em vista reforçar a formação financeira junto de públicos vulneráveis, incluindo os grupos em risco de sobre-endividamento.

Desenvolver acções de formação no âmbito destas parcerias, sobre os temas da resiliência financeira, incluindo a gestão do orçamento familiar, o acesso ao crédito e a prevenção e gestão do incumprimento de contratos de crédito, e explorando o papel dos seguros na mitigação dos riscos.

Linha de acção 7: Campanhas de sensibilização dirigidas aos jovens

Promover campanhas de educação financeira para os jovens através dos canais digitais e, em particular, das redes sociais, tendo em vista chegar rapidamente e com eficiência de meios a um grupo muito alargado de jovens, que são um público especialmente receptivo a este tipo de comunicação.

Sensibilizar os jovens, através destas campanhas, para a utilização segura dos canais digitais, as características e riscos dos novos produtos e serviços financeiros digitais (como os cripto-activos e as moedas digitais) e para os temas da sustentabilidade e da transição para uma economia mais circular.

Linha de acção 8: Campanhas nos meios de comunicação tradicionais

Reforçar a presença do Plano nos meios de comunicação tradicionais, como as televisões e as rádios nacionais e locais, para levar a formação financeira às populações com menor literacia digital, incluindo os seniores e outros grupos vulneráveis.

Promover, através destes meios de comunicação, campanhas de informação e sensibilização sobre temáticas relacionadas com a resiliência financeira e a utilização segura dos serviços financeiros digitais.


  1. As hipóteses constantes do n.º 1 do artigo 69 do Código de Procedimento Administrativo, pela lei previstas,  são as que segue:

 “…não podem intervir … em acto ou contrato …, nos seguintes casos:

a) Quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa;

b) Quando, por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, nele tenham interesse o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, algum parente ou afim em linha recta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem vivam em economia comum ou com a qual tenham uma relação de adopção, tutela ou apadrinhamento civil;

c) Quando, por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, tenham interesse em questão semelhante à que deva ser decidida, ou quando tal situação se verifique em relação a pessoa abrangida pela alínea anterior;

d) Quanto tenham intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou hajam dado parecer sobre questão a resolver;

e) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente ou afim em linha recta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem vivam em economia comum ou com a qual tenham uma relação de adopção, tutela ou apadrinhamento civil“

(10) Com efeito, aí se estatui que “o procedimento é voluntário, sendo necessário obter o consentimento esclarecido e informado das partes para a realização da [conciliação], cabendo-lhes a responsabilidade pelas decisões tomadas no decurso do procedimento.

Durante o procedimento de [conciliação], as partes podem, em qualquer momento, conjunta ou unilateralmente, revogar o seu consentimento para a participação no referido procedimento.

A recusa das partes em iniciar ou prosseguir o procedimento de mediação não consubstancia violação do dever de cooperação nos termos previstos no Código de Processo Civil.” (Lei 13/29: artigo 4)


(11) O princípio da confidencialidade, decalcado do artigo 5.º da Lei da Mediação, também se aplica neste particular: eis como o conforma o enunciado dispositivo:

“1 - O procedimento […]  tem natureza confidencial, devendo o [conciliador] manter sob sigilo todas as informações de que tenha conhecimento no âmbito do procedimento […], delas não podendo fazer uso em proveito próprio ou de outrem.

2 - As informações prestadas a título confidencial ao [conciliador]  por uma das partes não podem ser comunicadas, sem o seu consentimento, às restantes partes envolvidas no procedimento. 

3 - O dever de confidencialidade sobre a informação respeitante ao conteúdo da [conciliação] só pode cessar por razões de ordem pública, nomeadamente para assegurar a protecção do superior interesse da criança, quando esteja em causa a protecção da integridade física ou psíquica de qualquer pessoa, ou quando tal seja necessário para efeitos de aplicação ou execução do acordo obtido por via da [conciliação], na estrita medida do que, em concreto, se revelar necessário para a protecção dos referidos interesses.

4 - Excepto nas situações previstas no número anterior ou no que diz respeito ao acordo obtido, o conteúdo das sessões de [conciliação] não pode ser valorado em tribunal ou em sede de arbitragem.

(12) O princípio da igualdade e da imparcialidade, plasmado na Lei da Mediação, tem de análogo modo aplicação neste domínio, como segue:

“1 - As partes devem ser tratadas de forma equitativa durante todo o procedimento de [conciliação], cabendo ao [conciliador] gerir o procedimento de forma a garantir o equilíbrio de poderes e a possibilidade de ambas as partes participarem no mesmo.

2 - O [conciliador] não é parte interessada no litígio, devendo agir com as partes de forma imparcial durante toda a mediação (?).

O facto é que, na essência da conciliação – e é isso que a distingue da mediação – o conciliador é parte na controvérsia, numa sorte de supraparcialidade, e interfere sempre que as condutas se desviem das coordenadas de um juízo “ex aequo et bono”. Daí as reticências e as interrogações com que grafamos este fragmento do normativo para que remete a lei enformadora do Serviço Público de Conciliação. Algo que terá de sa adaptar, de se ajustar, “cum grano salis”, à essência da figura que, neste passo, se contradistingue da mediação, bem entendido. (Lei da Mediação de 2013: artigo 6.º)

(13) O princípio da independência, de forma adaptativa, tem de preponderar também neste passo, de harmonia com o que prescreve o artigo 7.º da Lei da Mediação, para que remete o diploma legal de base:

“1 - O [conciliador] tem o dever de salvaguardar a independência inerente à sua função.

2 - O [conciliador] deve pautar a sua conduta pela independência, livre de qualquer pressão, seja esta resultante dos seus próprios interesses, valores pessoais ou de influências externas.

3 - O [conciliador] é responsável pelos seus actos e não está sujeito a subordinação, técnica ou deontológica, de profissionais de outras áreas, sem prejuízo, no âmbito dos sistemas públicos […], das competências das entidades gestoras de tais  sistemas.”

(14) Cfr., por todos, a Directiva 122/2008, de 14 de Janeiro de 2009, em cujo artigo 14 se estabelece: 

“Informação ao consumidor e recurso a meios extrajudiciais

  1. Os Estados-Membros tomam as medidas adequadas para informar o consumidor sobre a legislação nacional de transposição da presente directiva e, se for caso disso, incentivam os profissionais e os titulares de códigos a informarem o consumidor sobre os respectivos códigos de conduta.

A Comissão incentiva a redacção a nível comunitário, em particular pelos organismos, organizações e associações profissionais, de códigos de conduta destinados a facilitar a aplicação da presente directiva, em consonância com o direito comunitário, e incentiva os profissionais e as suas organizações sectoriais a informarem os consumidores da existência de tais códigos, nomeadamente, se for caso disso, através de uma marcação específica.

  1. Os Estados-Membros encorajam o estabelecimento ou desenvolvimento de procedimentos extrajudiciais adequados e eficazes de reclamação e recurso para a resolução dos litígios de consumo abrangidos pela presente directiva e, se for caso disso, incentivam os profissionais e as suas organizações sectoriais a informarem os consumidores da existência de tais procedimentos.”






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