‘DIREITO
À REPARAÇÃO’:
UNIVERSAL
PANACEIA OU TORPE MISTIFICAÇÃO?
O direito à reparação de bens de consumo permanece
na ordem do dia.
A propósito
do Fair Repair Act de Nova Iorque,
recentemente adoptado, os media
encheram-se de referências que nem sempre primaram pelo rigor, na forma ligeira
como certos articulistas tratam determinados temas de interesse manifesto.
Ao invés do
que se vem asseverando em círculos menos bem documentados e, consequentemente,
menos esclarecidos, não se trata de uma realidade palpável, entre nós, na
Europa, antes de um projecto em progressão [?].
O Parlamento Europeu estima, em proposta
de Resolução de 30 de Março do ano em
curso que pende seus termos no areópago europeu, que:
§ 79 % dos cidadãos da
UE consideram que haveria que impor os fabricantes propiciassem a reparação dos
dispositivos digitais ou a substituição das suas peças individuais;
§ 77 % dos europeus
preferem reparar os seus dispositivos em vez de
os substituir [há patente contradição nos desenvolvimentos subsequentes…];
§ as empresas
do mercado da reparação poderiam garantir de forma considerável emprego a
nível local e, como se sustenta, competências específicas a nível europeu.
Daí que
considere fundamental se outorgue aos consumidores um ‘direito à reparação’ de molde a incrementar a transição industrial da
Europa, reforçando resiliência e autonomia estratégica.
Reconhece que
o estímulo a uma cultura de reparação
[que não de descarte e consequentemente de acumulação de resíduos imprestáveis]
oferece inegavelmente oportunidades económicas e sociais em termos de
empreendedorismo e criação de distintos programas de actuação.
Sem eventual
referência a antecedentes, que o espaço escasseia, situemo-nos na Resolução do Parlamento Europeu de 04 de
Julho de 2017
Eis parte das recomendações endereçadas à Comissão Europeia:
§ Promoção
da possibilidade de reparação
e projecção da durabilidade dos bens de consumo
§ Garantia
de uma melhor informação dos consumidores
§ Adopção
de medidas atinentes à obsolescência
programada
§ Reforço
do direito
à garantia legal de conformidade
Em 2019,
adoptou-se um sem-número de medidas de execução ao abrigo da Directiva Concepção Ecológica [com o
tónus na eficiência energética], a saber,
· período
obrigatório para o fornecimento de peças sobresselentes e
· prazos
máximos de entrega,
·
requisitos de
concepção em matéria de desmontagem/montagem de componentes.
O novo Plano de Acção para a Economia Circular de
11 de Março de 2020, promove um sem-número
de iniciativas específicas tendentes a
combater a obsolescência precoce e
promover a durabilidade,
propiciar a reparação e a acessibilidade dos produtos, bem como
A “Capacitação dos Consumidores para a
Transição Ecológica ter-se-á como essencial para conferir deveras aos
consumidores um direito efectivo à
reparação.
A revisão da Directiva Venda de Bens (de novo na
calha quando os diplomas de transposição entraram em vigor, nos
Estados-membros, a 1 de Janeiro pretérito) proporcionaria uma oportunidade para
analisar o que mais pode ser feito ainda de modo relevante para promover a reparação e incentivar produtos circulares e mais sustentáveis.
A análise
incidirá sobre pontos essenciais, a saber:
a preferência
pela reparação em detrimento da substituição,
o alargamento
do período mínimo de garantia para os bens novos ou em segunda mão, ou
um novo
período de garantia pós-reparação (que já existe em vários ordenamentos dos
Estados-Membros da União, aliás, em dados termos, como ocorre no ordenamento
jurídico pátrio, entre outros).
O Parlamento Europeu,
por Resolução de 25 de Novembro de 2020,
conferiu particular relevo ao “Direito
à Reparação dos Produtos” (intentando, ao que parece, uma estratégia
fulcral em matéria de reparação de bens
de consumo).
Amplo leque
de medidas permitiu-se propor:
A outorga de um «direito à reparação»
aos consumidores;
A promoção da reparação em vez da substituição;
A normalização das peças sobresselentes
susceptível de promover a interoperabilidade e a inovação;
O acesso gratuito às informações
necessárias para a reparação e a manutenção
Um cacharolete de informações que aos
produtores incumbe em matéria de disponibilidade de peças sobresselentes,
actualizações de «software» e a faculdade de reparação de um produto,
nomeadamente acerca de:
·
o período estimado
de disponibilidade a partir da data da compra,
·
o preço médio das
peças sobresselentes no momento da compra,
·
o prazos aproximados
recomendados de entrega e reparação e
·
informações sobre os
serviços de reparação e manutenção
O período
mínimo obrigatório para o fornecimento de peças sobresselentes e
consonância com a duração de vida estimada do produto após a colocação no
mercado da última unidade;
A garantia
de preço razoável para as peças sobresselentes;
A garantia
legal para as peças substituídas por um reparador profissional quando
os produtos já não estiverem cobertos pela garantia legal ou comercial;
A criação de incentivos, como o «bónus
do artesão», susceptíveis de promover as reparações, em
particular após o fim da garantia legal.
A 30 de Março de 2022, na proposta de
Resolução sobre o Direito à Reparação,
o Parlamento Europeu ensaia propor à Comissão:
a.
Se confira à massa
anónima de consumidores um direito efectivo à reparação
susceptível de abarcar distintos aspectos do ciclo de vida dos produtos:
abordagem que decorreria de diferentes
domínios políticos interligados, vidando designadamente a concepção dos produtos,
os princípios
éticos fundamentais da produção, a normalização, a informação dos consumidores
[a rotulagem sobre a possibilidade de reparação] no que tange à vida útil dos
produtos e, sempre que possível e adequado, os direitos e garantias que aos
consumidores se reconhecem;
b.
Que o ‘direito à reparação’ seja
proporcionado, baseado em dados concretos e eficientes no tocante aos encargos
emergentes e se revele susceptível de proporcionar o equilíbrio entre os
princípios da sustentabilidade, da protecção dos consumidores e de uma economia
social de mercado altamente competitiva;
c.
Que o ‘direito’ efectivo ‘à reparação’ crie
vantagens competitivas significativas para as empresas europeias, abstendo-se
de lhes impor encargos financeiros desproporcionados, inspirando a inovação e
incentivando o investimento em tecnologias sustentáveis;
d.
Conquanto, no quadro
actual, os consumidores tenham o direito
de escolher entre a reparação e a substituição de bens não conformes, ao
abrigo da Directiva Venda de Bens de 20 de Maio de 2019, a reparação pode, em
muitos casos, ser uma escolha mais eficiente em termos de recursos e com
impacto neutro no clima;
e.
Observa, porém, que,
na prática, os consumidores optam geralmente pela substituição em detrimento da
reparação, o que pode dever-se ao elevado custo da reparação;
f.
Frisa que a substituição do produto deve continuar
a ser uma alternativa se o consumidor e o fornecedor nisso acordarem, atendendo a que a reparação
pode ser, a um tempo, demasiado morosa quão onerosa;
g.
A Comissão Europeia que proponha, na
iniciativa alusiva ao direito à reparação, uma série de medidas destinadas a
promover e incentivar os consumidores, os produtores e os fornecedores a
optarem pela reparação em detrimento da substituição
h.
Que a próxima
revisão da Directiva Venda de Bens
inclua, entre outras, medidas destinadas a incentivar os consumidores a optar
pela reparação em detrimento da
substituição, tais como a obrigação de fornecer um produto de substituição enquanto
determinados produtos estão a ser reparados;
i.
O Parlamento Europeu entende que, para
incentivar a reparação dos produtos, devem ser oferecidos incentivos aos
consumidores que optem por reparar em vez de substituir;
j.
E considera que uma garantia
alargada poderia constituir um incentivo para optar pela reparação em
detrimento da substituição; acrescenta que os fornecedores devem
informar sempre os consumidores de todas as opções à sua disposição, de forma
equitativa, designadamente sobre os direitos
de reparação e de garantia conexos;
k.
Sublinha, enfim, que
a garantia renovada – os dois (2) anos -, em 2019, constitui uma regra de harmonização
mínima e que apenas escasso número de Estados-membros vai para além
desse período [Portugal e Espanha alargaram a 3 anos…];
l.
O Parlamento entende
ainda, por conseguinte, que a revisão da Directiva
Venda de Bens, ora na forja, como se anunciou, deve também propor a prorrogação da garantia
legal para além de dois anos para algumas categorias de produtos; observa,
ainda, a importância da plena
harmonização do período de garantia legal [algo de que se tem fugido como o
diabo da cruz…];
De um comunicado emanado do Gabinete de Imprensa da Comissão Europeia a
31 de Março de 2022, realce para:
“A Comissão
Europeia apresentou hoje, 31 de Março de 2022,
um pacote de propostas centradas no Pacto
Ecológico Europeu para que os produtos sustentáveis se tornem a norma, para
impulsionar os modelos empresariais circulares e para capacitar os consumidores
para a transição ecológica. Como anunciado no Plano de Acção para a Economia Circular, a Comissão propõe novas
regras para que quase todos os bens
físicos no mercado da UE se tornem mais amigos do ambiente, mais
circulares e mais energeticamente eficientes ao
longo de todo o ciclo de vida, desde a fase de concepção até à utilização
diária, reafectação e fim de vida.
A Comissão
Europeia apresenta hoje também uma nova
estratégia para tornar os têxteis mais duradouros, reparáveis, reutilizáveis e
recicláveis, lutar contra a moda rápida, os resíduos têxteis e a
destruição de têxteis não vendidos e garantir que a sua produção seja
consentânea com o pleno respeito dos direitos laborais.
Uma terceira proposta visa promover o
mercado interno dos produtos de
construção e assegurar que o quadro regulamentar em vigor é adequado para
permitir que o ambiente construído cumpra os nossos objectivos em matéria de sustentabilidade e
clima.
Por último, o
pacote inclui uma proposta sobre novas regras destinadas a capacitar os consumidores para
a transição ecológica, de modo a que os consumidores estejam mais bem
informados sobre a sustentabilidade ambiental dos produtos e mais bem
protegidos contra o branqueamento ecológico.”
Daí que se
estime ainda um largo percurso, por entre ‘trancos e barrancos’, como sói
dizer-se, até que o “direito à reparação” “qua tale” se inscreva de modo fundante na
Carta de Direitos do Consumidor Europeu.
Não vale
‘dourar a pílula’ e aparecer em escritos de distintas latitudes como se havendo
instituído, na Europa, um autêntico, autónomo e genuíno “direito à reparação”, quando tal é ainda uma miragem… e não passa deveras
do papel!
A aguardar
para ver…
Mário Frota
Presidente emérito
do apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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