O seguro de saúde Por telefone “passado” Para sua completude Pode bem ser ‘arretado’…

 

O seguro de saúde

Por telefone “passado”

Para sua completude

Pode bem ser ‘arretado’…

 

 

CONSULTA

 “Feito um contrato de seguro de saúde por telefone, pode o consumidor desistir dele sem quaisquer consequências?

O contrato foi feito por um ano e o prazo ainda decorre.”

PARECER

1. O contrato de seguro de saúde celebrado pelo telefone é um contrato à distância.

2. As regras que se aplicam a tais contratos não são exclusivamente as da Lei dos Contratos à Distância de 14 de Fevereiro de 2014, mas também as do Contrato de Seguro de 16 de Abril de 2008, por expressa previsão legal.

3. Rege no que toca ao Direito de Retractação [o de dar o dito por não dito na dependência do consumidor] o artigo 118 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro de 2008 (DL 72/2008), com alterações introduzidas em 2015 (Lei 147/2015) e em 2021 (Lei n.º 75/2021)..

Eis o que reza tal artigo, sob a epígrafe “livre resolução” (direito de retractação ou de dar o dito por não dito, que outros denominam de “livre desvinculação”):

Contratos abrangidos e seu regime

O tomador do seguro, pessoa singular, pode [pôr termo] ao contrato sem invocar justa causa:

§ Nos contratos de seguro de vida, de acidentes pessoais e de saúde com uma duração igual ou superior a seis meses, nos 30 dias imediatos à data da recepção da apólice;

§ Nos seguros qualificados como instrumentos de captação de aforro estruturados, nos 30 dias imediatos à data da recepção da apólice;

§ Nos contratos de seguro celebrados à distância, diferentes dos anteriores, nos 14 dias imediatos à data da recepção da apólice.

Como se conta o prazo de ponderação ou reflexão em vista da retractação ou desistência?

Os prazos enunciados contam-se a partir da data da celebração do contrato, desde que o tomador do seguro disponha já nessa data, em papel ou noutro suporte duradouro, de todas as informações relevantes sobre o seguro que hajam de constar da apólice.

Exclusão do Direito de Retractação ou desistência

1. O direito de [retractação] relativo aos contratos de seguro de vida, de acidentes pessoais e de saúde (com uma duração igual ou superior a seis meses) não se aplica aos segurados nos seguros de grupo.

2. O direito de [retractação] no contrato de seguro celebrado à distância não se aplica a seguros com prazo de duração inferior a um mês, nem aos seguros de viagem ou de bagagem.

Comunicação da decisão do segurado

A retractação (o “dar o dito por não dito”…) deve ser comunicada ao segurador por escrito, em suporte de papel ou outro meio duradouro disponível e acessível ao segurador.

Efeitos da retractação ou desistência

A retractação tem efeito retroactivo, isto é, conta para o passado, podendo o segurador (a Companhia de Seguros) ter direito às seguintes prestações:

§ Ao valor do prémio calculado pro rata temporis (isto, é “proporcionalmente ao tempo de seguro vencido”), na medida em que tenha suportado o risco até à retractação (desistência) do contrato pelo consumidor;

§ Ao montante das despesas razoáveis que tenha efectuado com exames médicos sempre que esse valor seja imputado contratualmente ao tomador do seguro (consumidor);

§ Aos custos de desinvestimento que o segurador tenha comprovadamente suportado.

Casos em que não há direito às prestações pela companhia de seguros

A companhia não tem direito às prestações referenciadas no ponto precedente em caso de desistência [retractação] pelo consumidor do contrato de seguro celebrado à distância.

Exceptua-se, porém, a hipótese de ocorrer o início de cobertura do seguro antes do termo do prazo de retractação (desistência) do contrato, a pedido expresso do tomador do seguro (o consumidor).

Prazo insuficiente (que não o legal de 30 dias)

Se do contrato constar o prazo de 14 dias, que não o de 30, que é o legal, é como se não existisse prazo nenhum.

E, assim sendo, rege um outro dispositivo da Lei do Contrato à Distância de 14 de Fevereiro de 2014, segundo o qual o período de tempo para a desistência passa a ser de 12 (doze) meses e, não, de 30 dias.

Previsão da Lei do Contrato à Distância

Eis o teor da norma (n.º 2 do artigo 10.º) da Lei do Contrato à Distância que prevê um tal direito:

“Se o fornecedor… não cumprir o dever de informação pré-contratual determinado [noutra disposição], o prazo para o exercício do direito de retractação [desistência] é de 12 meses a contar da data do termo do prazo inicial….

Se, no decurso do prazo de 12 meses, o fornecedor… cumprir o aludido dever de informação pré-contratual, o consumidor dispõe de [30] dias para pôr termo ao contrato a partir da data de recepção dessa informação (com a adaptação da norma do artigo 118 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro).

 

EM CONCLUSÃO:

a. Se do contrato de seguro de saúde não constar o prazo de 30 dias dentro do qual o consumidor pode exercer o seu direito de retractação ou desistência (a que a lei chama, impropriamente embora, de livre resolução) ou constar prazo inferior, como é o caso (14… em vez dos 30 dias!), o contrato não é nulo por virtude de o fornecedor violar uma disposição legal de carácter imperativo (como resultaria do artigo 294 do Código Civil);

b. Há que adaptar a disciplina da Lei do Contrato à Distância de 14 de Fevereiro de 2014 a esta realidade: donde, o prazo para “dar o dito por não dito” (ou seja, exercer o direito de retractação) se alargar de 30 dias para 12 meses que se seguem ao prazo inicial (de 30 dias).

c. Como o contrato tem a duração de um ano – e ainda transcorre o prazo – é tempestiva a retractação, já que o prazo para a desistência (ou retractação)  é o mesmo do contrato.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal

 

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