ARTIGO
Semana de 19 de Dezembro de 2022
Na troca de brindes: direito ou favor?
Seja lá o que for, não o “deslindes”… ao consumidor
Um consulente bem posicionado noticia que a
Deco-Proteste, L.da insiste em considerar um
mero favor dos comerciantes a troca de brindes, nas quadras festivas, já que –
garante – não há na lei nada que consigne qualquer direito, neste particular,
ao consumidor.
Perante um tal dislate, urge desmistificar
tendenciosas interpretações “jurídicas”, denunciar promiscuidades no seio do
mercado, perniciosas conivências e cumplicidades, oferecendo à comunidade
jurídica as soluções que se nos afiguram as adequadas.
Cumpre recordar que na ausência de regra expressa no ordenamento
jurídico de consumo, há que recorrer supletivamente ao Código Civil: e, no que
tange ao ponto, nele se disciplina quer a venda a contento quer a venda
sujeita a prova.
A ‘venda
a contento’ é feita sob reserva de
a coisa agradar ao consumidor; a ‘venda
sujeita a prova’ é feita sob condição
de a coisa ser
idónea para o fim a que se destina e ter as qualidades pelo vendedor
asseguradas.
A venda a contento [Código Civil: art.ºs 923 s] reveste duas modalidades:
·
a primeira, como mera proposta de
venda: a proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao consumidor,
este se não pronunciar dentro do prazo da aceitação (8, 10, 15 dias, o que se
fixar); neste caso, não haverá pagamento porque não há contrato, mas mera
entrega do valor da coisa, a título de caução.
·
a segunda, como contrato: há já
um contrato e não uma mera proposta contratual, a que se porá termo se a coisa
não servir ao consumidor ou a terceiro, se não for idónea para o fim a que se
destina; devolvida a coisa, restituir-se-á na íntegra o preço.
Em caso de dúvida,
presume-se que é a primeira a modalidade adoptada: a da proposta contratual.
A ‘venda sujeita a prova’ [Código Civil: art.º 925] depende, em princípio, de uma condição suspensiva: i., é, segundo a qual as partes subordinam a um acontecimento
futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio; se servir, se for idónea, o
negócio produz os seus efeitos normais, se, pelo contrário, não o não for, o
contrato extingue-se.
A prova deve ser feita
dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos
usos.
Mas, na circunstância,
poderá haver ainda o recurso ao ‘princípio
da autonomia da vontade’ [Código Civil: art.º 406], em cujo n.º 2, sob a epígrafe “liberdade contratual”, se
diz:
“As
partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios,
total ou parcialmente regulados na lei.”
E o facto é que os
contratos celebrados nestas circunstâncias (e é essa a vontade dos contraentes,
fundidas em negócio jurídico que - se assim não fora - nem os consumidores
comprariam nem os comerciantes venderiam) são-no com a faculdade de troca em um
dado período de tempo (que outrora fora de oito dias, pelo recurso paralelo ao
prazo do proémio do artigo 471 do Código Comercial, que, de resto, constava das
notas emitidas pelos estabelecimentos).
Contrato que é um
híbrido da venda a contento ou sujeita a prova com consequências menos gravosas para o
comerciante que os verdadeiros e próprios contratos típicos, nominados,
como supra se definem, com a faculdade de troca do bem, já que se pactua a
substituição da coisa que não a sua devolução pura e simples com a restituição
do preço.
Não se fale, pois, em favor ou em mera cortesia nem se diga que os fornecedores não estão obrigados a
efectuar as trocas com as consequências daí emergentes: porque, em termos tais, a isso se obrigam, sem quaisquer reticências.
“Só há, com efeito, um
bem… o conhecimento”, como asseverava Sócrates, o grego.
Pior que a ignorância,
muito pior, é a cumplicidade, o conluio, o comprometimento com os que defraudam o consumidor e atentam contra os
seus mais elementares direitos.
E, como empresa que é, a Deco/Proteste, L.da… afina pelo diapasão
mercantil que não pelo do direito pontuado pelos seus princípios e regras.
Haverá necessidade de dizer mais?
Mário Frota
presidente do Instituto
Luso-Brasileiro de Direito do Consumo
Comentários
Postar um comentário