OFÍCIO OU DEVOÇÃO? O ARTIFÍCIO DA ESPECULAÇÃO NA CULTURA DOS GRANDES GRUPOS… TUDO SEM LISURA NEM APUPOS!

 CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR

‘As Beiras’

07 de Outubro de 2022


OFÍCIO OU DEVOÇÃO? O ARTIFÍCIO  DA ESPECULAÇÃO  NA CULTURA  DOS GRANDES GRUPOS…  TUDO SEM LISURA NEM APUPOS!


De um  comunicado oportunamente emitido pela ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica [sem grande projecção, aliás, nos tradicionais órgãos de comunicação social, já que, como se não ignora, a nutrida publicidade das grandes cadeias de distribuição é grossa fatia nas receitas, em particular das televisões], respiga-se:

“Dos 16 processos-crime instaurados pela prática do crime de especulação (delito antieconómico), um diz respeito a um pequeno retalhista, outro a um hipermercado e os restantes a supermercados de grandes insígnias da cadeia alimentar. Dos produtos detectados, cerca de 88% são inerentes à área alimentar – leite, ovos, carne, massas, salsichas, batatas, cebolas, cereais, manteiga e bebidas.

Durante a operação foi ainda verificado que, dos produtos detectados em preço de caixa na área alimentar, existiam variações de 1,16 % a 69,5 % (para cereais e massas) sobre o preço tabelado. Para os produtos detectados em preço de caixa na área não alimentar, as variações oscilavam entre 6,5 % a 27 % (para pensos higiénicos e papel higiénico) sobre o preço tabelado.”

Pergunta-se: em que consiste o crime de especulação?

Se a lei cominar pena de prisão e o tribunal a decretar, como é que a empresa vai cumprir a pena?”

Cumpre responder:

  1. Especulação [speculatio, -onis], do latim speculari,  significa etimologicamente observação ou análise ou exame: speculari vem da raiz specio,  ver ou olhar.

“Com o tempo, speculari também ganhou o significado de examinar alguma coisa, reflectindo sobre o seu conteúdo: o empresário que tem de decidir se quer fechar um negócio, reúne primeiro informação e especula sobre as consequências do acto.”

Mais tarde, o vocábulo assumiu outras significações: “agiotagem, exploração, traficância” e, em sentido figurado,  engano, logro, exploração.”

  1. A moldura do crime de especulação, de acordo com a Lei Penal do Consumo de 20 de Janeiro de 1984, é a que figura no seu artigo 35, a saber:


1 - Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:


  1. Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;


  1. Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da actividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor;


  1. Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;


d) Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas.

…”

  1. A “desconsideração da personalidade jurídica” é medida extrema que permite que respondam directamente pelos crimes cometidos pela empresa os seus responsáveis, razão por que se pode requerer, no caso, se desconsidere a personalidade da sociedade ou empresa mercantil para fazer sujeitar os seus gestores às sanções que no caso couberem.


  1. Às pessoas colectivas as penas aplicáveis, segundo a lei, são as seguintes:


  • Admoestação;


  • Multa;


  • Dissolução.


EM CONCLUSÃO

  1. Constitui crime de especulação a venda de qualquer produto por montante superior ao que figura na etiquetagem, rotulagem, letreiros ou listas de preços dos respectivos artigos.

  2. A moldura penal do crime de especulação é a de prisão de seis meses a três anos e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84: alínea c) do n.º 1 do art.º 35), para além de sanções acessórias.

  3. A desconsideração da personalidade colectiva é possível a fim de chamar a responder os gestores implicados em tais condutas delituosas.

  4. As sanções reservadas às empresas vão da admoestação à dissolução, passando pela multa.

Tal é, salvo melhor juízo, a opinião que expendemos sobre o assunto..


Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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