Gibis e desenhos animados – que saudades

 Gibis e desenhos animados – que saudades

 


Crianças e jovens da minha geração tiveram um padrão de formação cultural extremamente diferente do atual. O cinema marcava os domingos à tarde, sessão das duas horas e nas suas redondezas o espaço de troca e venda de revistinhas.

Estamos no império da Televisão (Televisão no Brasil, s.d.), já ameaçada pelas redes sociais mais e mais potentes.

Infelizmente os sistemas televisivos atuam sem o crivo dos pais e educadores. Eles oferecem bons e maus programas. Durante o dia chegam a mostrar e propagandear programas que afetam violentamente o imaginário da garotada.

Códigos de Ética ou simplesmente de interesses de lucro?

Pais zelosos têm dificuldades para cuidar de seus filhos quando as lições vêm de tão longe no império de outras culturas.[1]

No passado o cenário era radicalmente diferente. Se eram melhores ou piores que os atuais é um desafio para estudiosos de primeira linha.

O essencial, contudo, é que a leitura[2] é importantíssima a qualquer criança, merecendo cuidados especiais[3].

Crianças eram afetadas pelos gibis[4]. Gradativamente o cinema ganhava poder à medida que crescíamos.

Os gibis (História em quadrinhos no Brasil, s.d.) logo viraram paixão; deitados ao lado da mãe, eu e a Sônia Maria, vendo e ouvindo as historinhas que lia no quarto da empregada, cama comunal, eram um privilégio, um presente em que além do calor materno ficávamos anestesiados pelas histórias que ela também gostava.

Eu e a Sônia também gastávamos horas e horas olhando fotografias de um livro antigo de geografia, cujas imagens víamos debaixo da mesa da cozinha, entre outros lugares, página a página.

O álbum de fotografias era uma paixão e um dia estragamos parte da memória familiar. Candidamente tiramos recortes de jornais que minha mãe colara lembrando datas importantes, especialmente do casamento dela. Mostramos nossa mãe o que fizéramos declarando candidamente que limpáramos o amado álbum familiar...

Aprendemos a ler antes de frequentar escola e assim os gibis cresceram de importância.

Luluzinha, Recruta Zero, Roy Rogers, Batman, Mindinho, Mickey, Tarzan, Pato Donald, Lassie e Rin Tin Tin, Pernalonga, Mandrake, Gato Félix, Super Homem, Capitão Marvel, Brucutu, Zé Carioca e muitos outros personagens genias começaram a povoar a nossa imaginação. Mais tarde Tarzan, Rin tin tin e Lassie, Mandrake com outros heróis ocuparam nosso tempo. Minha paixão era a Laura Jane, que menina querida...

Com os desenhos animados outros personagens apareceram com força, entre eles Fred e Barney, Jetsons, Pica Pau, Pantera Cor de Rosa Gaguinho, Ligeirinho etc.

 Os gibis, contudo, eram a nossa literatura infantil.

Tanta revistinha infantil e pouco dinheiro despertaram nossa vocação mercantil. Na frente do Cine Bush ou da Banca Miro trocávamos e vendíamos o que já tínhamos lido. A fascinação era m os almanaques, bem encadernados. Isso acabou pesando nas notas da escola e quando elas atingiram o nível de alerta (10 na escala de zero a 100) a mãe Chiquinha, nossa “professora particular”, fez uma pilha enorme no quintal e pôs fogo. Dançamos que nem índio em volta daquela tristíssima fogueira. Eu, demonstrando minha inabilidade política, no0 mês seguinte tirei 100 onde quase zerei, confirmando as teorias maternas.

Morávamos em uma casa de três pavimentos na Rua 4 de Fevereiro. Nela profissionais da Companhia Força e luz de Santa Catarina e da Prefeitura assim como outros eram nossos vizinhos. Eles, os nascidos no Brasil e no litoral, tiveram a brilhante ideia de organizar e operar um cinema ao ar livre na Rua Quinze de novembro, projetando imagens de um lado da rua para a outra. Maravilha!

Ainda sem altura para ficarmos sozinhos, eu e a mana, éramos levados para ver filmes norte americanos e desenho9s animados de cima de uma cadeira, na janela ao lado do local de projeção. Mais tarde, crescidinhos, íamos para a rua principal de Blumenau onde a cidade criou espaço dedicados a pedestres nos finais de semana assim como ambiente para bandinhas de música não religiosa “ufa!”.

O cineminha foi também onda tomamos contato com as caixinhas de “Mate Leão”. Caixinhas de madeira que ainda serviam, depois de vazias, para nossas cidades miniatura.

Lá vimos os primeiros desenhos animados[5], que beleza.

A cultura americana dominou a minha infância e juventude, mais ainda pelos ressentimentos da Segunda Guerra Mundial onipresentes em casa, onde alunos de minha mãe e com certeza pessoas amigas de meus pais foram vítimas dos nazistas.

A história dos brasileiros descendentes de açorianos em Blumenau não foi escrita. Infelizmente a fixação dos blumenauenses na origem alemã criou vazios enormes na população local, mais ainda com a derrota dos nazifascistas.

Eles existiram em momentos fáceis e difíceis, quando a sorte da guerra parecia pender para o Eixo.

Crescemos entre os cinemas, a igreja, escola e muitas artes.

Criamos fantasias, adoramos super-heróis, construímos a base que governará boa parte de nossa vida.

O maior perigo, contudo, é querer imitar seres imaginários.

Pessoalmente quase pulei do segundo pavimento da casa em que morávamos com uma capa amarrada às costas. Queria imitar um personagem de cinema.

Pular de lugares altos era uma paixão que testei até onde consegui, afinal o Tarzan fazia isso...

Brincar de bandido e mocinho era rotina. Assim o brinquedo que durante anos pedi foram revólveres e espingardas de brinquedo.

Décadas mais tarde comprava gibis para dividir e rir de suas historinhas com as minhas filhas.

Vejo atualmente que muitas revistinhas trazem estilos muito diferentes, especialmente orientais.

Que efeito isso pode criar na cabecinha de nossas crianças?

Felizmente, a partir das escolas as meninas e meninos têm coleções didáticas, pedagógicas. mais ainda, são estimuladas a fazerem suas revistinhas. Fantástico!

Sempre é bom lembrar que nada é por acaso em projetos caros. Patrocinadores, religiosos, ideólogos, empresas e governantes querem “disciplinar seus rebanhos”.

Muita coisa escapa à censura[6], ótimo.

 



[1] heróis no palco irradiado do mundo. Quando Carmen Miranda morreu, em 1957, as coisas já estavam mudando de novo. Se o seu mundo foi o do cinema, a tragédia íntima da sua morte se tornou o primeiro grande espetáculo transmitido ao vivo pela televisão brasileira e visto simultaneamente por multidões por toda parte em que houvesse um receptor. Assim como, na Copa do Mundo de 1958, magotes de gentes se espremiam para assistir na telinha à retransmissão filmada dos jogos do Brasil. A televisão herdava do rádio e do cinema as funções de máquina de fazer mitos, se aproveitando da maior intimidade com que disputaria o espaço doméstico e o cotidiano dos seus espectadores. Relembremos agora o tênue filete de fumaça do cocheiro que penetrou o bonde em que viajava Machado de Assis no início do nosso percurso, causando-lhe um desconfortável sentimento de invasão da privacidade. Comparemos esse filete esvoaçante com o facho de luz que partindo da tela da tv invade o interior das casas. Mais que isso, consideremos todo o fluxo de informações, imagens, ícones, sons, ruídos, condicionamentos, publicidade, discursos, notícias, filmes, novelas, comédias, debates, programas de auditório, esportes, gastronomia, curiosidades, turismo, entrevistas, fofocas, rádio, discos, redes, telefone, jornais, revistas, gibis, panfletos, formulários, livros, almanaques, agendas, enciclopédias, listas, catálogos, cadastros, manuais, mala direta e extratos bancários, que entram nos lares sem parar, pelos olhos, ouvidos, boca, tato e olfato todo dia e o dia todo. E o que entra no seu lar, entra no do vizinho, e no vizinho do vizinho e por todo lado pelos milhares de quilômetros quadrados das grandes conurbações metropolitanas e pelas suas congêneres pelo mundo afora. O que diria Machado agora? É difícil imaginar. Mas Carlos Drummond percebeu que hoje ninguém mais está só, nem que queira nem que não queira. A invasão da privacidade não é mais uma possibilidade, uma negociação ou uma arbitrariedade. Ela é uma condição histórica.

Vários autores. História da vida privada no Brasil – Vol. 3 (pp. 596-597). Companhia das Letras. Edição do Kindle.

[2] A criança que costuma ler, que gosta de livros de histórias ou de poesia, geralmente escreve melhor e dispõe de um repertório mais amplo de informações, sim. Mas essa não é a principal função que a literatura cumpre junto a seu leitor. Mesmo sem precisar discorrer sobre a função da literatura, sabemos que é o fato de ela propiciar determinadas experiências com a linguagem e com os sentidos – no espaço de liberdade que só a leitura possibilita, e que instituição nenhuma consegue oferecer – que a torna importante para uma criança. Nos últimos anos do século XX, a noção da importância da literatura infantil na formação de pequenos leitores consolidou-se, integrando a pauta das políticas públicas de educação e cultura. Se ainda estamos longe de constituir um país de leitores, se os problemas da qualidade da educação fundamental são grandes e persistentes, a escola e o gênero, no entanto, já não são os mesmos que eram nos anos 1980. Passaram ambos por modificações conceituais e funcionais que alteraram seus perfis. A importância de aproximar as crianças dos livros de literatura infantil é hoje praticamente um consenso. A sociedade absorveu a ideia que, décadas atrás, era ainda objeto de pregação. Eram feitos esforços de convencimento para que pais e professores promovessem, entre os pequenos, a leitura de bons livros. Hoje, reflexões a respeito do assunto envolvem estudantes e estudiosos na produção de ensaios, dissertações, teses, que discutem diferentes aspectos da literatura infantil e contam com poder de irradiação. No entanto, entre a adoção de um conceito, o desenvolvimento de análises e a construção do cenário idealizado por aqueles que se empenham em semear livros a mão-cheia, parafraseando Castro Alves, a distância é grande.

Cademartori, Ligia. O que é literatura infantil (Primeiros Passos) (pp. 5-6). Brasiliense. Edição do Kindle.

[3] A “disciplinarização” do ensino da literatura infantil: de saber escolar a uma teorização Pensar a história do ensino por meio da disciplina escolar é buscar compreender, como explica Chervel (1990), um aspecto lacunar na historiografia da educação. No caso do Brasil, ainda que desde os anos de 1990 pesquisas desse tipo venham ganhando força e se expandindo rapidamente, algumas disciplinas permanecem inexploradas pelos historiadores da educação. Esse era o caso do ensino da literatura infantil na formação de professores primários no estado de São Paulo, decorrente da criação da matéria/ disciplina “Literatura infantil” nos Cursos Normais. Possivelmente pelo pouco espaço que essa matéria/ disciplina ocupou na formação de professores, configurando-se, no conjunto das demais, como aparentemente pouco relevante ou sem grandes efeitos na amplitude formativa que se pretendia aos professores primários, o ensino da literatura infantil e os dispositivos legais de sua institucionalização eram, até então, apenas objeto de pequenas menções em algumas pesquisas. Visto dessa perspectiva, o ensino da literatura infantil pode suscitar a ideia de algo sem importância para a história da formação de professores e para a História da Educação em geral. No entanto, conforme explica Chervel (1990), as disciplinas somente podem ter a sua importância questionada se estudadas na sua “economia interna”. Uma vez que qualquer que seja a disciplina, ela sempre está no centro da ação em torno da qual se coloca em exercício as finalidades educativas, por isso não há disciplina que não seja relevante para se entender o curso histórico da educação (Chervel, 1990).

Oliveira, Fernando Rodrigues de. História do ensino da literatura infantil na formação de professores no estado de São Paulo (1947-2003) (pp. 421-422). SciELO - Editora UNESP. Edição do Kindle.

[4] Gibi originalmente foi o título de uma em revista em quadrinhos brasileira lançada em 1939, publicada pelo grupo Globo. O termo gibi significava moleque, negrinho, porém com a popularização, no Brasil tornou-se sinônimo de "revista em quadrinhos" (revista de banda desenhada, em Portugal).[1] Fenômeno gramatical conhecido por metonímia.A revista Gibi era concorrente da revista Mirim de Adolfo Aizen. Este editor, futuro fundador da EBAL, foi o pioneiro dos quadrinhos publicados como suplemento de jornal no Brasil (ideia que retirara de uma viagem aos Estados unidos), com o seu Suplemento Juvenil que acompanhava o jornal "A Nação". Mais tarde, o jornal O Globo copiou a ideia e lançou um suplemento chamado "O Globo Juvenil".[2]O Gibi teve originalmente em suas páginas tiras diárias e pranchas dominicais[3] Charlie ChanBrucutuFerdinando (Família Buscapé)[4] e vários outros personagens das histórias em quadrinhos.No ano de 1974 a antiga Rio Gráfica Editora (atualmente conhecida como Editora Globo) teve a iniciativa de relançar nas bancas brasileiras a revista Gibi.Em outubro de 1993, a Editora Globo lançou outra revista com um título homônimo.[5] A editora publicava periodicamente alguma revista com o título para não perder os direitos sobre ele.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Gibi_(revista_em_quadrinhos)

[5] Desde o surgimento dos primeiros curtas-metragens em preto e branco, como Mickey Mouse, O gato Felix, Popeye e Betty Boop, até os longas-metragens como Branca de Neve e os sete anões, Kiriku ou O castelo no céu, muitas gerações de espectadores puderam mergulhar nesses universos mágicos. Nós nos emocionamos quando Bambi perdeu sua mãe, rimos com as perseguições mútuas de Tom & Jerry, ficamos maravilhados pela beleza das imagens e das músicas do filme Fantasia. Se Walt Disney elevou o desenho animado ao posto de arte maior, para o grande público a técnica utilizada para sua composição ainda é um mistério. Como os artistas e os técnicos fazem esses filmes? Ilustrado por diversos documentos e imagens, este livro apresenta as diferentes etapas de realização de um desenho animado. Vamos até os bastidores, há muitas coisas a descobrir!

Knoertzer, Jean. O desenho animado - do sonho à realidade . Babelcube Inc.. Edição do Kindle.

[6] o bom humor, a tecnologia de ponta e a boa arte, mas... encontrava-me no meio de um ensaio sobre a teoria marxista da alienação do trabalho. Para o jovem Marx, a injustiça do sistema capitalista não residia apenas no capitalismo oprimir o trabalhador, mas também no fato de que se apoderava do fruto do seu trabalho, o vendia e usava o lucro para inventar novas maneiras de explorar o trabalhador. Monstros SA era essa mesma história, ocupando a criança o lugar do proletariado e o monstro o do capitalista. A empresa roubava os gritos das crianças, usava-os como energia para a sua tecnologia e com essa tecnologia, inventava novas maneiras de oprimir as crianças com o terrível “Extractor de Gritos”.

Shaw, Kurt. Cinema Infantil e Educação Popular . Shine a Light. Edição do Kindle.

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