OS CONSUMIDORES & A ECONOMIA CIRCULAR --Mário Frota apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

 


OS CONSUMIDORES & A ECONOMIA CIRCULAR

PREFÁCIO

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

I

PRELIMINARES

A iniciativa que a ADITEC houve por bem assumir – e a que associou a apDC, que à promoção dos interesses e à protecção do consumidor se consagra há mais de uma trintena de anos - constitui algo de relevante no que tange ao delineamento da figura e do conceito da economia circular e do consumo sustentável e sua divulgação.

O fino recorte que o seu vice-presidente, Prof. Doutor Fernando Silva, empresta ao texto representa uma extraordinária mais-valia que cumpre, a justo título, enaltecer.

A economia circular – por contraposição à economia linear -, nos seus plúrimos desenvolvimentos, carece de ser assimilada para que os sãos critérios que lhe presidem se disseminem e o vulgo, os consumidores em geral, mas os Estados e os empresários e outros partícipes no processo também, desencadeiem decisivo esforço em ordem à sua consecução.

O texto de que se tece a brochura, na sua inteligibilidade, constitui inigualável contributo para a compreensão do tema nos seus delineamentos factuais e nos seus fundos caboucos doutrinários.

No breve apontamento que no prefácio se encerra (e se seguirá) abordar-se-á os pontos mais candentes do tema, a saber,

Ø  Do Consumo Sustentável à Economia Circular

Ø  O Mercado de Consumo e os Produtos Sustentáveis

Ø  Iniciativas tendentes à consecução de um tal escopo

Ø  Plano de acção para a economia circular

Ø  Maior longevidade dos produtos: a emersão de um novo direito de reparação

Ø  Epílogo

Força é que se aposte decisivamente em dois dos pilares em que assenta uma qualquer política neste particular, a saber, o da formação (a educação) e o da informação, eternos “impostores” porque não há quem lhes não confira realce em momentos discursivos, mas não há também quem os eleja verdadeiramente como alicerçantes de molde a imprimir-lhes decisivo impulso nos momentos apropriados e em termos de continuidade marcante, que falece sistematicamente.

Porque a formação (e a educação) cria como que uma segunda natureza nos seus destinatários. E a informação permite se afira e se ajuste sistematicamente a actuação ao que for sendo dia-a-dia revelado, numa permanente adaptação à realidade, temperada pelos eventos que se forem deflagrando na linha do tempo.

A marcante utilidade do opúsculo a que Fernando Silva confere o cunho da sua sageza, como pedagogo e homem de acção, aí está no modo como o gizou e lhe conferiu ponderada concretização.

O proveito que cada um de nós fizer de tão profundos conhecimentos constituirá decerto uma marca para a vida, um sinal indelével, o alfa e o ómega de qualquer projecto serenamente arquitectado e criteriosamente alçapremado a obra de valia.

 

II

DO CONSUMO SUSTENTÁVEL À ECONOMIA CIRCULAR

As Directrizes das Nações Unidas cujo escopo é o da promoção dos interesses como o da protecção dos direitos do consumidor e remontam originalmente a 9 de Abril de 1985 (Resolução 39/238), ante as preocupações que ao tempo se registavam, eram omissas no que tange ao consumo sustentável e a uma adequada gestão dos recursos em prol da humanidade e do Globo.

No termo de um vasto leque de diligências encetadas por personalidades de nomeada, a Resolução 70/186, aprovada em  Assembleia Geral de 22 de Dezembro de 2015, consignou o espaço devido ao consumo sustentável, enunciando princípios e definindo directrizes tendentes a que se consolide consistentemente esse magno objectivo.

Aí se define consumo sustentável como a satisfação das necessidades de bens e serviços das gerações presentes e futuras de tal modo que sejam sustentáveis do ponto de vista económico, social e ambiental.”

E se estabelece um princípio básico de responsabilidade, a saber:

a responsabilidade do consumo sustentável compartem-na todos os membros e organizações da sociedade”.

E se traça que “os consumidores informados, os Estados Membros, as empresas, os sindicatos e as organizações ambientais e de consumidores desempenham um papel relativamente importante a tal propósito”.

Aos Estados Membros incumbe o delineamento e a aplicação de políticas de consumo sustentável e a integração de tais políticas nas demais políticas com conexões relevantes com o ponto.

As instituições cuja prossecução seja a da tutela do ambiente e as de consumidores detêm a suma responsabilidade na participação e no debate públicos no alargado quadro do consumo sustentável, carreando a informação adequada aos consumidores e cooperando com os Estados Membros e as empresas em ordem a apresentar distintas modalidades de consumo sustentável no elo da cadeia da produção ao consumo.

E como se previne noutro passo,

“os Estados Membros, em conjunção de esforços  com as empresas e as pertinentes organizações da sociedade civil, devem formular e desenvolver estratégias que promovam o consumo sustentável mediante uma combinação de políticas susceptíveis de incluir distintos meios, como

§  regulamentos;

§  instrumentos económicos e sociais;

§  políticas sectoriais em domínios como o uso da terra, o transporte, a energia e a habitação;

§  programas de informação para sensibilização do público em torno das repercussões das modalidades de consumo;

§  a eliminação de subvenções que contribuam para fomentar modalidades de consumo e produção não sustentáveis; e

§  a promoção de melhores práticas de ordenamento do ambiente específicas para um tal domínio.”

Aos Estados Membros cumpre, por conseguinte, promover:

§  a concepção, a elaboração e a adopção de produtos e serviços que economizem energia e recursos e sejam inócuos, ante as repercussões susceptíveis de ocorrer durante todo o seu ciclo de vida.

§  programas de reciclagem que estimulem ou encorajem os consumidores a reciclar os desperdícios e a adquirir produtos reciclados.

E  controlar de forma segura o uso de substâncias prejudiciais ao ambiente e estimular o desenvolvimento de sucedâneos ambientalmente comportáveis.

 As novas substâncias potencialmente perigosas submeter-se-ão a avaliações científicas em momento anterior ao da sua distribuição em ordem a determinar os seus efeitos, no ambiente, a longo prazo.

Sensibilizar a massa de consumidores acerca dos benefícios para a saúde das modalidades de consumo e produção sustentáveis, face  tanto os efeitos directos na saúde de cada pessoa como os de expressão colectiva na tutela do ambiente, eis outro dos procedimentos que aos Estados Membros cumpre imperiosamente observar.

Em associação com o sector privado e demais instituições pertinentes, cabe aos Estados Membros estimular a mutação, a transformação operada das modalidades de consumo não sustentáveis mediante o desenvolvimento e a adopção de novos produtos e serviços ambientalmente racionais e de tecnologias de ponta, inclusive as da informação e das comunicações, susceptíveis de satisfazer as necessidades dos consumidores e contribuir, por seu turno, para reduzir a contaminação e o esgotamento dos recursos naturais.

As Nações Unidas exortam ainda, na circunstância, os Estados Membros a que criem mecanismos reguladores eficazes de molde a proteger os consumidores: neles convergirão distintos aspectos do consumo sustentável, fortalecendo a linha dos subsistentes.

A adopção de instrumentos tanto económicos como fiscais e a internacionalização dos custos ambientais é algo de indeclinável, no quadro de preocupações erigido, de molde a promover o consumo sustentável ante as necessidades sociais, desestimulando práticas não sustentáveis, incentivando práticas mais sustentáveis e evitando em simultaneidade que prejudiquem o acesso aos mercados, em particular os dos países em vias de desenvolvimento. 

Em cooperação com as empresas e outros estratos pertinentes, toca aos Estados Membros a elaboração de indicadores, metodologias e bases de dados por forma a mensurar os progressos registados em prol do consumo sustentável, seja em que plano for. Informação que, como parece curial, terá de estar à disposição do grande público.

Para além de assumirem, como se tem por curial, a iniciativa de introduzir práticas sustentáveis no seu próprio funcionamento, em particular em suas políticas de aquisições, importa encorajar, se for o caso, a elaboração e a adopção de produtos e serviços ambientalmente racionais

Por fim,  há que promover as investigações pertinentes ao comportamento do consumidor e os danos ambientais conexos a fim de determinar as vias de consecução de modalidades de consumo mais sustentáveis.

Este cacharolete de imposições quadra em absoluto a uma nova consciência que perpassa qualquer política de consumidores no mundo hodierno e se imbrica nos demais planos, programas e projectos que se estruturem.

 

III

O MERCADO DE CONSUMO & OS PRODUTOS SUSTENTÁVEIS

 

Como se previne na Nova Agenda do Consumidor Europeu (Plano Quinquenal de Acção 2021 / 2025 em fase de aprovação), que a lume veio a 13 de Novembro de 2020 sob a consigna “reforçar a resiliência dos consumidores para uma recuperação sustentável”,  os consumidores europeus revelam um interesse crescente em contribuir pessoal e directamente para alcançar a

§  neutralidade climática,

§  preservar os recursos naturais e a biodiversidade e

§  reduzir a poluição da água, do ar e do solo.

O repto consiste em desbloquear tamanho potencial através de medidas que capacitem, apoiem e permitam a cada um dos consumidores, independentemente da sua situação financeira, desempenhar um papel activo na transição ecológica sem impor um estilo de vida específico e sem uma qualquer discriminação social.

O acesso a produtos sustentáveis não deve depender do nível de rendimento ou do local onde se vive, mas deve estar à disposição de todos, sem eufemismos nem mistificações.

Ponto é que a asserção seja assimilada, e o que é mais, concretizada sem reservas ante a ductilidade das situações geradas.

[Não se olvide que em 450 milhões de cidadãos da União Europeia mais de 92 milhões se acham esmagados entre os limiares da miséria e da pobreza, segundos dados muito recentes… , o que nos deixa perplexos perante os potenciais de riqueza do Bloco Económico (ainda) mais poderoso do globo].

“O Pacto Ecológico Europeu estabelece uma estratégia global susceptível de transformar a UE numa sociedade justa e próspera, com uma economia com impacto neutro no clima, eficiente em termos de recursos, limpa e circular, em que o crescimento económico se ache dissociado da utilização dos recursos e em que os impactos negativos no capital natural e na biodiversidade se tenham por reduzidos.”

Tal exige uma mudança profunda, célere, dos nossos hábitos e comportamentos de molde a reduzir a pegada ambiental em todos os domínios, da habitação e alimentação à mobilidade e lazer.

Projecta-se um ror de iniciativas de índole diversa com o objectivo de assegurar que os produtos, tanto bens como serviços, transmitidos aos consumidores da EU, sejam adequados a tais objectivos.

 

IV

INICIATIVAS TENDENTES À CONSECUÇÃO DE UM TAL ESCOPO

Cumpre, pela excelente síntese patenteada, seguir pari passu o que se inscreve, a este propósito também, na recém-lançada e já enunciada Nova Agenda do Consumidor Europeu.

Um ror de iniciativas se aparelham de molde a que tão magnos objectivos se alcancem.

Cumpre arrolá-las passo a passo, neste instante:

ü  A Estratégia do Prado ao Prato e a Estratégia da UE para a Biodiversidade, que proclamam acções-chave  e iniciativas que visam reduzir a pegada ambiental e climática dos sistemas alimentares da UE e a capacitar os consumidores para escolhas informadas, saudáveis e sustentáveis em matéria de géneros alimentícios;

 

ü  O recém-publicado roteiro atinente ao Plano de Acção para a Poluição Zero, cuja apresentação se diferiu para 2021, identifica os produtos de consumo como um domínio de acção importante e explora modalidades tendentes a  incentivar os consumidores a proceder a opções mais ecológicas;

 

ü  A Estratégia para a Sustentabilidade dos Produtos Químicos, revelou de análogo modo um sem-número de acções susceptíveis de incrementar a informação sobre os produtos químicos disponível para os consumidores, a protegê-los das substâncias mais nocivas e a promover produtos químicos seguros e sustentáveis desde a sua concepção;

 

ü  Precedendo o Plano de Acção de 2018, a Estratégia Renovada de Financiamento Sustentável para os anos subsequentes procurará oferecer aos consumidores novas oportunidades em vista de um impacto positivo na sustentabilidade, fornecendo-lhes informações fiáveis, completas e fidedignas (de confiança) em torno dos produtos financeiros em que investem; e

 

ü  A iniciativa Vaga de Renovação desenvolve uma estratégia em ordem à preparação dos consumidores para uma sociedade mais ecológica e digital, em que se inclui o reforço dos instrumentos de informação dispensados ou a dispensar aos consumidores.

 

V

PLANO DE ACÇÃO PARA A ECONOMIA CIRCULAR

O novo Plano de Acção para a Economia Circular, que cumpre de análogo modo – et pour cause – trazer à colação,  promove um sem-número de iniciativas específicas tendentes a 

§  combater a obsolescência precoce e

§  promover a durabilidade,

§  garantir a reciclagem e a

§  propiciar a reparação e a acessibilidade dos produtos, bem como

§  servir de alavanca à decisiva acção das empresas, neste particular.

A Iniciativa para os Produtos Sustentáveis - cujo escopo é, nomeadamente, o de disseminar pelo mercado a massa de produtos sustentáveis - estabelece princípios de sustentabilidade, avultando como propósito a revisão da Directiva Concepção Ecológica, de molde a difundir, alargando, o seu âmbito de aplicação, muito para além dos produtos que com a energia se imbriquem, concretizando a circularidade.

Indispensáveis se tornam medidas regulamentares e não regulamentares adicionais para grupos específicos de produtos e serviços, como as TIC (tecnologias ede Informação e Comunicações), a electrónica ou os têxteis, bem como as embalagens.

Por exemplo:

ü  A Iniciativa sobre a Electrónica Circular visa garantir que os dispositivos electrónicos se concebam com vista à durabilidade, manutenção, reparação, desmontagem, desmantelamento, reutilização e reciclagem, e que aos consumidores se outorgue um «direito de reparação», em que se incluem as actualizações de software.

 

ü  A iniciativa que engloba um carregador universal para telemóveis e outros dispositivos portáteis visa tornar mais simples e fácil o dia-a-dia aos consumidores, reduzindo o emprego de materiais e os resíduos electrónicos associados à produção e à eliminação do produto específico quotidianamente  usado por uma mole imensa de consumidores.

 

ü  A Estratégia da UE para os Têxteis (que no futuro se adoptará) procurará possibilitar aos consumidores a escolha de têxteis sustentáveis, tornando mais fácil o seu acesso aos serviços de reutilização e reparação.

 

ü  A revisão da Directiva Embalagens e Resíduos de Embalagens tem por escopo tornar todas as embalagens reutilizáveis e recicláveis de forma economicamente viável, reduzindo o excesso de embalagens.

Tais iniciativas promoverão uma melhor retenção de valor, conferindo prioridade a produtos mais seguros e duradouros e garantindo a subsistência dos materiais no ciclo económico (recusar, reduzir, reparar, reutilizar e reciclar) durante o maior lapso de tempo possível.

Para forma a permitir um uso socialmente avantajado dos novos bens e serviços, bem como das novas abordagens do consumo, os consumidores carecem de uma mais adequada informação e de todo mais fiável sobre os aspectos da sustentabilidade dos bens e serviços, evitando-se em simultaneidade uma sobrecarga de informação (informação em excesso equivale a nula informação, a informação nenhuma…).

Quantos por bem se houveram submeter à consulta pública promovida a tal propósito, advertiram enfaticamente para uma clamorosa ausência informação e para preocupações em torno da fiabilidade das alegações ambientais e da informação sobre os produtos, como obstáculos relevantes a uma maior aceitação das escolhas de um consumo sustentável.

A iniciativa que tende a adoptar-se no futuro acerca da “Capacitação dos Consumidores para a Transição Ecológica” visa abordar o acesso dos consumidores à informação (descodificada, simples, acessível…) sobre as características ambientais dos produtos, incluindo a sua durabilidade, faculdade de reparação ou de actualização (com enfoque no software), bem como a fiabilidade e comparabilidade de tais informações: o plano definirá os requisitos gerais para preencher regras mais específicas constantes da legislação sectorial, como, por exemplo, os produtos ou grupos de produtos específicos.

 Uma mais adequada informação sobre a disponibilidade de peças sobressalentes e serviços de reparação pode ser um factor relevante mais em prol da durabilidade dos produtos.

A “Capacitação dos Consumidores para a Transição Ecológica”, que se prende com a política de promoção de produtos sustentáveis e, se for o caso, as iniciativas sectoriais específicas a promover, ter-se-ão como essenciais de  molde a conferir aos consumidores um direito efectivo de reparação (ora na forja, como noutro passo se assinalará).

Além do mais, a revisão da Directiva Venda de Bens (na calha) proporcionaria uma oportunidade de analisar o que mais pode ser feito ainda de modo relevante para promover a reparação e incentivar produtos circulares e mais sustentáveis. A análise incidirá sobre várias opções dos meios de defesa do consumidor ante o regime das garantias de bens de consumo (que decorre ainda de uma directiva de 1999 com modificações decorrentes de uma outra de 2019, ainda não transposta), tais como

§  a preferência pela reparação em detrimento da substituição,

§  o alargamento do período mínimo de garantia para os bens novos ou em segunda mão, ou

§  um novo período de garantia pós-reparação (que já existe em vários ordenamentos dos Estados-membros da União, aliás, em dados termos).

Tais esforços poderão ser complementados pela promoção de novos conceitos e comportamentos de consumo, como

§  a economia da partilha,

§  novos modelos de negócio que permitam aos consumidores comprar um serviço em vez de um bem, ou

§  o apoio às reparações através de acções das organizações da comunidade e da economia social (por exemplo, as «tertúlias de reparações») e

§  de mercados de segunda mão.

Prestar aos consumidores informações fidedignas e mais fiáveis significa, muitas vezes, aperfeiçoar os instrumentos existentes. Os rótulos actualizados, que dispensam informações sobre os produtos e aparelhos abrangidos pela Directiva da Concepção Ecológica e pelo quadro de etiquetagem energética, concorrerão para aumentar a sensibilização e gerir as expectativas do desempenho energético dos produtos, contribuindo destarte para o objectivo que a  UE persegue de eficiência energética.

Além disso, a adesão e a sensibilização para o rótulo ecológico da UE a promover via acções de comunicação e parcerias com os distintos partícipes, em que se incluem os comerciantes retalhistas, poderia visar de análogo modo os mercados em linha ante a proliferação, nos tempos que correm, do comércio electrónico.

Como acréscimo, o rótulo ecológico da UE alargar-se-ia aos produtos financeiros de retalho, em conformidade com o Plano de Acção de 2018 sobre o financiamento sustentável, permitindo aos consumidores confiar num rótulo credível sempre que invistam em produtos financeiros ecológicos.

Por outro lado, os consumidores têm de estar mais bem protegidos contra informações não verdadeiras ou apresentadas de forma confusa ou enganosa para dar a impressão errada de que um produto ou uma empresa são mais respeitadores do ambiente, o chamado «branqueamento ecológico». Acções no domínio do financiamento sustentável cabem do mesmo passo em tais iniciativas e acham-se em vias de se empreender.

Além disso, a Comissão Europeia intentará propor que as empresas fundamentem as suas alegações ambientais utilizando métodos de pegada ambiental dos produtos e instituições, a fim de fornecer aos consumidores informações ambientais fiáveis.

A Comissão Europeia propor-se-á analisar ainda formas de criar um quadro de rotulagem sustentável que abranja, em sinergia com outras iniciativas pertinentes, os aspectos nutricionais, climáticos, ambientais e sociais dos produtos alimentares.

As opções dos consumidores no domínio da energia serão fundamentais para a concretização de novas metas em matéria de clima para 2030 e a neutralidade climática até 2050.

As novas regras, em vigor desde 1 de Janeiro do ano em curso,  beneficiarão decerto a informação aos consumidores através da facturação da electricidade e de ferramentas independentes de comparação de preços, e tornarão mais simples e fáceis as opções dos prossumidores e a criação de autênticas comunidades de energia.

A Comissão Europeia proporá disposições aplicáveis a outros vectores energéticos a fim de conceder direitos semelhantes aos consumidores de gás e de aquecimento urbano.

A transformação digital também oferecerá novas oportunidades em ordem ao acervo de  informações mais específicas e de mais fácil compreensão.

O desenvolvimento de passaportes digitais para produtos no âmbito da Iniciativa dos Produtos Sustentáveis visa ajudar a informar os consumidores sobre os aspectos ambientais e circulares dos produtos.

Em termos genéricos, a informação digital poderá conferir aos consumidores a faculdade de contrastar a fiabilidade das informações, efectuando comparações entre produtos, mas de análogo modo carreando ou veiculando informação de forma mais holística sobre os impactos ambientais, verbi gratia, a sua pegada de carbono.

As acções e os recursos (designadamente do Instrumento de Assistência Técnica para o reforço das capacidades no âmbito do próximo QFP) há que utilizá-los de molde a apoiar iniciativas que promovam e incentivem a cultura e o comportamento de um consumo limpo, climaticamente neutro e sustentável. Tal deve ser feito sob formas acessíveis, inovadoras e apelativas, como, por exemplo, através de aplicações para telemóveis inteligentes e de sítios Web, e pelo recurso aos instrumentos existentes.

As empresas, em que se incluem as PME, desempenharão decerto relevante papel na demanda de um consumo mais ecológico.

A integração dos objectivos de sustentabilidade nas estratégias e nas tomadas de decisão empresariais poderá resultar na disponibilidade e outorga de produtos mais sustentáveis.

 Exemplos de boas práticas vão desde a monitorização de impactos, dependências e riscos ambientais e capital natural em toda a cadeia de valor, à inclusão de informações ambientais na divulgação de informação aos consumidores, passando pela consideração dos interesses dos consumidores nas decisões das administrações das empresas.

A Comissão Europeia intenta apresentar em 2021 uma iniciativa legislativa sobre o governo sustentável das empresas de molde a promover um comportamento empresarial sustentável e responsável a longo prazo.

Para forma a estimular uma acção empresarial mais voluntariosa, é propósito da  Comissão Europeia cooperar com os operadores económicos em ordem

§  a incentivar os seus compromissos voluntários de divulgação pelos consumidores da pegada ambiental da empresa,

§  melhorar a sua sustentabilidade e

§  reduzir o impacto no ambiente.

Tais compromissos desenvolver-se-ão em sinergia com o futuro Pacto Europeu para o Clima: basear-se-ão em metodologias, instrumentos e legislação aplicável já disponíveis.

 Ao longo do tempo, os compromissos serão susceptíveis de envolver partícipes de um vasto leque de sectores, com base em modalidades compromissórias cada vez mais diversas.

 

VI

MAIOR LONGEVIDADE DOS PRODUTOS
A EMERSÃO DE UM NOVO DIREITO DE REPARAÇÃO

O objectivo que neste passo se imbrica é o de conferir maior longevidade aos produtos e menor degradação de recursos disponíveis.

Como noutro ensejo nos exprimíramos, o European Environmental Bureau estima que o tempo de vida útil de um smartphone se situe entre os 25 e os 232 anos.

E, na realidade, não mais de 3 anos dura o equipamento.

“Os custos ambientais e económicos de um tal hiato são excessivamente onerosos e incomportáveis.”

A aprovação de regras que estendam a longevidade de alguns dos dispositivos em 5 anos, representaria, no Espaço Económico Europeu,

§  a diminuição de 12 milhões de toneladas anuais de equivalente-CO2, o que

§  significaria retirar de circulação 15 milhões de veículos movidos a combustíveis fósseis…

Um novo “direito de reparação” se desenha, no quadro actual, de molde a dar mais vida aos produtos.

Para fazer renascer mesteres que, entretanto, se extinguiram porque mais fácil substituir que reparar?

Reparar… por forma a que seja mais acessível manter o produto que substituir?

Ou será mais oneroso reparar pelo valor da mão-de-obra? Claro que tal dependerá obviamente da categoria dos produtos e da sua peculiar concepção

Trata-se, na realidade, de uma autêntica revolução a que ora se esboça.

Será que a inversão do paradigma não constituirá obstáculo à Inovação & Desenvolvimento?

Não haverá que curar de um equilíbrio ponderado de molde a evitar que o progresso se estanque, paralise?

Um tal exercício demandará decerto uma dose apreciável de “engenho & arte” e não se solucionará de uma penada só…

Ou será que a evolução de novos modelos inteiramente recicláveis (e de acesso universal, ao alcance de qualquer bolsa… ponto é que o seja deveras!) não configurará o cenário preferível?

O mote para o debate está dado…

Importante é que esquadrinhemos todos os ângulos, envolvendo na discussão os partícipes por inteiro [Universidades, Centros Tecnológicos & de Investigação, indústria, serviços, distribuição (associações de interesse económico), consumidores…] para que soluções mais adequadas se logrem e imponham no interesse geral.

O Parlamento Europeu, por Resolução de 25 de Novembro pretérito, sob o lema

Rumo a um Mercado Único mais Sustentável para Empresas e Consumidores”,

confere particular relevo ao “Direito à Reparação dos Produtos” (intentando uma estratégia fulcral em matéria de REPARAÇÃO de BENS DE CONSUMO).

Emitiu, nesse sentido, um sem-número de recomendações  que visam, com efeito, dar forma a um MERCADO INTERIOR SUSTENTÁVEL (delimitado pelas fronteiras exteriores do denominado Espaço Económico Europeu), como convém e constitui, nos tempos que correm, imperativo indeclinável de uma qualquer política europeia de consumidores com reflexos no plano global.

E enumera um amplo leque de medidas que há que trasladar para a lei e se compendiam como segue:

·        A outorga de um «direito de reparação» aos consumidores

·        A promoção da reparação em vez da substituição

·        A normalização das peças sobresselentes susceptível de promover a interoperabilidade e a inovação

·        O acesso gratuito às informações necessárias para a reparação e a manutenção

·        Um cacharolete de informações que aos produtores incumbe em matéria de disponibilidade de peças sobresselentes, actualizações de «software» e a faculdade de reparação de um produto, nomeadamente acerca de:

o   período estimado de disponibilidade a partir da data da compra,

o   preço médio das peças sobresselentes no momento da compra,

o   prazos aproximados recomendados de entrega e reparação

o   e informações sobre os serviços de reparação e manutenção

·        O período mínimo obrigatório para o fornecimento de peças sobresselentes em consonância com a duração de vida estimada do produto após a colocação no mercado da última unidade

·        A garantia de preço razoável para as peças sobresselentes

·        A garantia legal para as peças substituídas por um reparador profissional quando os produtos já não estiverem cobertos pela garantia legal ou comercial

·        A criação de incentivos, como o «bónus do artesão», susceptíveis de promover as reparações, em particular após o fim da garantia legal.

Dar mais vida aos produtos para que a vida se prolongue”: eis o lema de uma estratégia convertida em nova política de consumidores!

“Dar mais vida aos bens para que se dê mais vida à vida”!”

 

 

VII

EPÍLOGO

O corpo de doutrina que neste passo se encerra constitui um desafio incomensurável que a comunidade (os consumidores informados, como o quer a Resolução das Nações Unidas de 22 de Dezembro de 2015: e enorme hiato nos separa já desse momento histórico…) terá inequivocamente de responder perante a finitude dos recursos e os perigos e riscos acrescidos que se antevêem para as reservas naturais do globo que definham instante a instante às mãos dos algozes que todos somos, afinal.

O paradigma é outro! Tem de ser outro, na avidez com que a ignorância nos vai brindado por se não haver atingido o zénite na compreensão do mundo e dos seus recursos e pela atracção permanente e sugestiva das novidades a que o aporte das  tecnologias iniludivelmente conduz.

Trabalhos do jaez destes, com o cunho, o timbre que o Prof. Doutor Fernando Silva lhe soube emprestar, constituem uma alavanca relevantíssima para que cada um e todos se consciencializem da magna tarefa que se impõe e cumpre empreender para que as gerações vindouras não sejam desapossadas dos seus sonhos e utopias e o legado que se lhes transmite não constitua um “enorme presente envenenado” que lhes deflagre nas mãos e arruíne o seu promissor devir!

Que, na sua essência, o universo-alvo a que se dirige (a comunidade, afinal, de consumidores e cidadãos) o intua, o compreenda, o estime e assimile e de quanto se exara de tudo faça pendão: é que “petit-à-petit l’oiseau fait son nid” (grão-a-grão encha a galinha o papo…).

Rejubilemos, enfim…

Que é pela educação que o futuro se resgata!

 

Fontes (que se seguem de muito perto e se replicam):

§  Novo Plano de Acção para a Economia Circular

§  Nova Agenda do Consumidor Europeu

§  Resolução de 25 de Novembro do Parlamento Europeu

 

 

Coimbra (em exílio forçado), Fevereiro de 2021

 

Mário Frota

Presidente da apDC

 

 

 

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