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*A palavra e o silêncio*
“*Quem não se cala / ignora a grandeza / da fala*”
(poema de Hamilton Faria do livro – miniMAIS)
Antes de dormir leio sempre alguma coisa. Ontem li o livro do Hamilton e logo pensei num poema também. Acontece que tentei gravá-lo durante alguns minutos, na cama, como se repetisse um mantra. Entretanto, neste momento não lembro. Sem problema. Uma hora ele surgirá em outro texto, como poema ou em prosa. Importante é tecer a crônica com agulhas da não-memória agora, para ressaltar duas expressões primas e não oponentes: a “palavra” e o “silêncio”.
Observo que o “silêncio”, por vezes, está acima da “palavra”. Na música clássica, à exceção da ópera e de certas cantatas, “a palavra” não se faz presente. Ela é interpretada por acordes ou pela sequência melódica. Na música popular “a palavra” é quase uma obrigação. Mesmo em hinos, ela cresce e movimenta o coração dos sentimentos.
Voltemos ao pequeno e profundo poema do Hamilton. Ele fala dos e das tagarelas, pessoas que não param de falar e não ouvem: os outros, a música, o silêncio. Não valoriza o “silêncio”. Este que canta como ninguém, fazendo interregno no som. Ele é um som do ausente ruído.
Quando acordamos de madrugada, e a cidade deixa de produzir seus ruídos, aparecendo o silêncio, ficamos irrequietos. Alguma coisa faz falta. Esta ausência de sons vai nos agonizando, nos sufocando. Somos mesmo viciados em barulho. A cidade é tagarela. O campo na zona rural também. Isto porque passarinhos, grilos e até o vento, balançando palmas das palmeiras, ou galhos de outras árvores, ficam tagarelas.
De novo, retornemos ao poema. Devo dizer que é muito ruim, fazer análise ou deslindar um poema. “Cada um sabe da sua dor”– diz o ditado. Assim, como “Cada um interpreta a arte da sua maneira”. O poema tem uma grandeza soberba. Isto porque utiliza o “silêncio” para ressaltar “a palavra”. Veja que o “silêncio” eu o coloquei como vocábulo sem o artigo, mas “a palavra”, eu a coloquei com o artigo. E por quê? Porque o “silêncio” se basta, ele é isolado, é solitário, não precisa de complementos. No entanto, “a palavra” sempre é acompanhada da ação, de uma companhia. Ela sempre quer dizer muitas coisas. Por vezes, não diz nada. Apenas são sons guturais, sem qualquer importância. Tagarelice das bocas.
O poema diz muita coisa. Ele revela o esconderijo do “silêncio”. Mostra também a discrição dele, ao deixar “a palavra” encoberta, como se a protegê-la. O “silêncio” valoriza sua prima “a palavra”, dando a ela o cetro da comunicação. Ainda que o “silêncio” não diga nada, apenas proteja “a palavra”, como rainha do entendimento, ele fala muita coisa sem palavras. Por isto mesmo o poema é divino.
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