| 18 de jul. de 2025, 11:27 (há 6 dias) | |||
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Cuidador
por tonicato miranda
Curitiba, 23/maio/2024.
Estava forrando a cama de dormir quando entrou uma abelhinha preta e se perdeu. Ela voou pelo quarto e deve ter visto não ser o ambiente que queria estar, foi bater no vidro. Bateu contra ele algumas vezes. Prontamente a socorri, pegando um pano e dirigindo-a para o ar livre, para a liberdade, para além da minha jardineira.
Apareceu aquela abelhinha preta e lembrei da palavra “quadrarona” no livro que ora releio “O Amor nos tempos do Cólera”. E a palavra ficou martelando na cabeça qual a abelhinha se chocava no vidro. A palavra significa a pessoa que tem um quarto de sangue negro. Mas a abelhinha, não. Ela é totalmente preta.
Não conhecia as duas coisas: a palavra; nem abelhinha tão negra. Importante entender e cuidar de dar liberdade às três. À palavra e o implícito e explícito por trás das pessoas não-brancas, assim como ao pequeno inseto. Quanto às pessoas enquadradas no conceito quadrarona um caminho longo há para percorrer, afastando muitos pedregulhos do caminho. O vidro descortina o ambiente livre, mas não permite o voo. Ainda não concedemos liberdade social aos negros, aos mulatos e às pessoas quadraronas. É preciso cuidar e libertar. Tudo quer voar ao espaço livre.
O ato de cuidar deve estar sempre presente em todo ser humano. Seja dirigido à abelhinha, às crianças, aos idosos, às pessoas com deficiências físicas e mentais. Seja também à cidade onde moramos, aos nossos campos, e às ruas das cidades. Enfim, é preciso virar cuidadores. O planeta exige esse cuidado. Vivemos sobre um solo que está vivo por dentro. A qualquer momento uma acomodação repentina das camadas internas da Terra pode derrubar nosso sonho da casa própria, do mercado imobiliário, das plantações. Tudo vira pó ou água e logo todos estarão desamparados.
Neste momento não basta nosso conhecimento, nossa formação, nossa cor de pele, nossas raízes sociais, nossa vaidade. Nada disto terá o menor valor. Tudo que pensamos valer nada terá importância se antes não preservarmos o ambiente próximo e distante, porque tudo está interligado. A Terra precisa cada vez mais de cuidadores.
Preciso entender que a abelhinha pode e poderá muito mais do que eu, do que você que me lê, do que qualquer um em qualquer posto administrativo ou político. Ela tem asas. Pode se afastar dos vidros, das pedras do caminho. Embora tenha uma vida muito curta não se sentirá desamparada, poderá voar ao encontro do ar, não sem antes beijar a flor sobrevivente na jardineira da minha janela, florescendo no meu peito.
— Voa abelhinha! Voa! Voa!
Enquanto viver espero ser capaz de produzir gestos singelos como este ao libertar a abelhinha negra para a sua liberdade plena.
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